Segunda-feira, 23 de dezembro de 2024
Por Redação O Sul | 21 de janeiro de 2024
Um levantamento conduzido pelo JusRacial revela um aumento expressivo no número de processos judiciais relacionados a racismo e intolerância religiosa no Brasil. Só em 2023, a iniciativa contabilizou aproximadamente 176 mil processos em andamento em todas as instâncias da justiça, inclusive os tribunais superiores. Em comparação com 2009, quando foram identificados 1 mil processos, os dados de 2023 revelam um crescimento de 17.000% no número de processos de intolerância religiosa e racismo no País.
O primeiro levantamento foi realizado pelo JusRacial em 1997, quando foram encontrados apenas nove processos de racismo e intolerância religiosa no período entre 1951 e 1996, o equivalente a cerca de dois registros por década.
No ano passado, a pesquisa foi realizada com base no repositório do Jusbrasil, com uma busca direta nos sites dos tribunais para contabilizar processos julgados e em tramitação. O aumento significativo pode ser atribuído, segundo o advogado e fundador do JusRacial, Hédio Silva Jr., às transformações sociais lideradas pelo Movimento Negro brasileiro nas últimas décadas.
“O ingresso da questão racial na agenda pública do país fez com que as pessoas fossem se sentindo mais encorajadas a buscar o sistema de justiça para reclamar violações de direitos. A administração da justiça está preparada para responder adequadamente a isso? A gente vai saber na medida que a gente fizer os recortes qualitativos”, explica.
Além disso, desde 2019, o Supremo Tribunal Federal (STF) passou a classificar a homofobia e a transfobia como modalidades de crime de racismo.
Na ocasião, a Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Intersexos (ABGLT) defendeu que ao igualar ofensas individuais ao crime de injúria racial, os atos de discriminação contra pessoas LGBTQIAPN+ poderiam ser punidos de forma mais seevera, em relação às outras penas previstas em crimes contra a honra.
O JusRacial destaca que os 176 mil processos representam uma pequena fração dos casos de violação de direitos que afetam a população negra e seguidores das religiões afro-brasileiras, que são os principais alvos do discurso de ódio e da intolerância religiosa.
No entanto, a pesquisa aponta para uma confiança crescente das vítimas no Poder Judiciário, refletida na expansão exponencial da judicialização desses casos.
Apesar do resultado, Hédio Silva também chama atenção para a alta taxa de subnotificação, seja pela aura de impunidade em torno desse tipo de violência ou pela dificuldade em transformar as denúncias em condenações.
“A gente já vai confirmando nesse primeiro inventário quantitativo o problema de que um dos gargalos é que os boletins não se transformam em inquérito, os inquéritos não dão base às denúncias e as denúncias não resultam em ação e condenação. Há um gargalo que precisa ser enfrentado”, argumenta.
Combate à intolerância religiosa
Celebrado em 21 de janeiro, o Dia Nacional de Combate à Intolerância Religiosa foi instituído em 2007 através da Lei 11.635, sancionada como uma forma de reconhecimento à trajetória da yalorixá baiana Mãe Gilda de Ogum, que faleceu em janeiro de 2000 em decorrência de problemas de saúde provocados pela intolerância religiosa.
A data é vista como um momento de reflexão para os povos de axé e apesar dos avanços sobre a temática no país, lideranças religiosas apontam que ainda é preciso mais severidade na aplicação das leis.
Sacerdote do Candomblé e Obá de Xangô no terreiro Ilê Axé Opô Afonjá, em Salvador, Adriano Azevedo considera que ainda falta efetividade nas leis que garantam a proteção dos povos de axé.
Arrastão da Liberdade
A yalorixá Jaciara Ribeiro, filha e sucessora de Mãe Gilda no Ylê Axé Abassá de Ogum, localizado no bairro de Itapuã, ma capital baiana, observa que o aumento do racismo religioso no Brasil tem feito com que os adeptos das religiões de matriz africana alterem até a estrutura dos terreiros para evitar ataques.
Com objetivo de reunir movimentos, diversos seguimentos religiosos e a sociedade soteropolitana no combate à intolerância religiosa, o terreiro Ylê Axé Abassá de Ogum resolveu criar o “I Arrastão da Liberdade”.
O evento conta com um café da manhã servido no terreiro, em Itapuã. Logo após, há um cortejo em direção ao busto de Mãe Gilda na Lagoa do Abaeté.
Para a yalorixá Jaciara Ribeiro, o Arrastão representa um ato revolucionário. “É dizer que a gente de terreiro não está com medo, que mesmo gradeando as nossas casas, botando câmeras, a gente acredita que ainda pode ter uma transformação de caminhar com a ética, com respeito, trazendo alegria e música”, considera.
“A liberdade de culto, esse diálogo inter-religioso, é muito importante para a gente dialogar com todas as adversidades na sua integridade e respeitando o outro. O respeito, para mim, é a palavra de ordem”, finaliza a yalorixá.