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Por Redação O Sul | 29 de julho de 2020
Pandemia, crise econômica e isolamento social criaram um cenário propício para transtornos psicológicos como ansiedade e depressão. Para lidar com eles, um novo caminho vem sendo explorado: houve aumento da procura por tratamentos à base de cannabis medicinal.
No início de dezembro de 2019, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) aprovou a regulamentação dos produtos à base de cannabis. Com a decisão, produtos feitos com a planta para uso medicinal podem ser vendidos em farmácias, mediante prescrição médica, e ficam sujeitos à fiscalização da agência.
Nos períodos dos meses de fevereiro e março deste ano, quando a pandemia ainda tinha atingido pouco menos de 6 mil pessoas e matado 42 pessoas, a Clínica Gravital, especializada em tratamento com medicamentos à base de Cannabis sativa, atendeu nove pacientes com sintomas de ansiedade. Entre abril e maio, esse número aumentou para 24, o equivalente a um aumento de 167%.
“Mesmo antes da pandemia, a maioria dos pacientes que chegavam até nós já tinha se tratado com outras alternativas, são pacientes que chamamos de refratários. Agora, vimos que esse número aumentou e que surgiram pacientes com uma ansiedade leve, que não querem iniciar um tratamento psiquiátrico mais complexo, só mesmo uma melhora da qualidade de vida, com um método natural e, teoricamente, mais seguro”, comenta Pietro Vanni, psiquiatra da Gravital.
A Associação Brasileira de Cannabis e Esperança (Abrace) é a única instituição autorizada a cultivar a cannabis rica em canabidiol (CBD) e tetra-hidrocanabinol (THC) para fins medicinais, possuindo laboratórios farmacêuticos para a produção e manipulação dos extratos dos canabinoides.
Antes da pandemia, a organização apresentava 823 pacientes associados com transtornos psicológicos. Agora, são 1.013, um crescimento de 20%.
A advogada Ana Izabel Carvana, especializada em processos que pleiteiam a cobertura dos planos de saúde nos tratamentos com cannabis, observou um aumento brusco do número de clientes que estão passando por transtornos psicológicos durante o período da crise sanitária.
Antes de março, ela não havia lidado com nenhum caso desse tipo. Entre abril e julho, foram 50.
“Eu vi um aumento, mas não de forma isolada para casos de ansiedade. São pessoas que tiveram problemas psicológicos sérios em decorrência do estresse, da própria ansiedade, insônia e depressão. Por exemplo, recebi clientes que tentaram suicídio e tiveram fibromialgia”, diz a advogada.
A pandemia acentuou o quadro de ansiedade de Cinthia Wendorff, de 39 anos. A consultora de planos de saúde, que já se medicava com remédios convencionais, começou a sofrer de insônia e voltou a fumar cigarro depois de um ano em decorrência do estresse causado pelo momento.
Depois de iniciar o tratamento com a cannabis, a carioca notou uma melhora significativa.
“Parei de fumar e sinto que estou mais tranquila e mais centrada. Antes de começar com o tratamento, eu estava desesperada, parecia que ia morrer”, relembra ela. “Me deu ataque de pânico, falta de ar, parecia que eu estava com sintomas de Covid. Minha mãe me assustava muito também, ela colocava um terror na minha família que a gente ia se contaminar e matar alguém de casa. Fiquei bem mal por causa disso, mas melhorei muito depois que comecei com o extrato.”
De acordo com Virgínia Martins, farmacêutica e professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), a Cannabis sativa apresenta uma variedade de canabinoides – estruturas químicas da planta – que servem para tratar uma série de enfermidades.
No caso das psicoterapias, é comum serem prescritos extratos de CBD, uma substância que “já se sabe que é anticonvulsivante, antipsicótica e ansiolítica”, e o THC.
Para ela, que monitora o tratamento de pessoas que utilizam o extrato de cannabis, receitar um remédio à base dessa última composição requer alguns cuidados.
“O THC é muito conhecido por ter um efeito analgésico e ainda possuir uma propriedade euforizante. No entanto, quando falamos sobre psicoterapia, o tratamento tem que ser contínuo, e por essa substância ser psicótica, há um risco de causar um transtorno psiquiátrico se ela for consumida de forma crônica. O canabidiol, por sua vez, tem uma baixa toxicidade e, inclusive, quando falamos sobre toxicidade crônica de induzir a dependência da psicose, ele não está associado. O risco dessa substância gerar um transtorno psiquiátrico é muito mais baixo”, assegura Virgínia.
A profissional ainda chama atenção de que os extratos de CBD podem não surtir efeito em alguns casos: “Já soube que esse tipo de tratamento foi super bem-sucedido em casos de ansiedade em pessoas esquizofrênicas, mas não teve bons resultados em pessoas com transtorno de bipolaridade, pelo contrário, a depressão só aumentou”, conclui. As informações são do jornal O Globo.