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Por Redação O Sul | 29 de agosto de 2020
Entre os muitos detalhes que chamam a atenção na investigação sobre o assassinato do marido da pastora e deputada federal Flordelis (PSD) – do qual ela teria sido a mandante, segundo a polícia – um dos pontos sobre os quais ainda pairam dúvidas é como ela conseguiu adotar mais de 50 crianças quando o processo de adoção no Brasil é rigoroso e há uma enorme fila de pretendentes no cadastro de adoção.
A verdade é que, embora tenha ficado conhecida como “mãe de 55 filhos” e chamasse de “filhos adotivos” as crianças que viveram ou vivem na casa administrada por ela no Rio de Janeiro, Flordelis não chegou de fato a adotar oficialmente todos eles. Ela tem também três filhos biológicos do primeiro casamento, já adultos.
Não está claro quantos dos seus “filhos” foram oficialmente adotados, mas inquéritos e processos judiciais, além da própria autobiografia da deputada, mostram que grande parte das crianças não tinha situação regular.
Ela, na verdade, teve diversos problemas com a Vara da Infância e da Juventude porque a situação das crianças não estava regularizada – e chegou a ser fugitiva da polícia por causa disso antes de ganhar espaço na mídia.
A própria pastora contou em sua autobiografia e em inúmeras entrevistas que passou um ano fugindo da polícia com as crianças, sendo acusada de sequestro.
A situação irregular adiciona mais um mistério a um caso que, de acordo com as investigações da polícia, já é cheio de elementos peculiares.
Ainda nos anos 1990, Flordelis começou a acolher outros jovens e crianças além dos três filhos biológicos e cinco primeiros jovens que abrigou em sua casa.
Um desses foi Daniel dos Santos Souza, que era apresentado por Flordelis e Anderson como filho biológico, mas que na verdade foi entregue para o casal ainda bebê.
Segundo as investigações da Delegacia de Homicídios, Flordelis recebeu o bebê de uma jovem cuja gravidez não era aceita pela família. Prontuários médicos da maternidade Santa Helena, em Duque de Caxias, apontam que ele nasceu ali em 18 de janeiro de 1998, filho biológico de Janaina Barbosa.
Segundo a polícia, em sua certidão de nascimento, no entanto, consta que seus pais são Janaina e Anderson, apesar de Daniel nunca ter passado por um processo oficial de adoção.
“Quando alguém passa por um processo de adoção, o nome dos pais adotivos fica nos registros forenses, ainda que protegidos pelo sigilo, mas com a indicação da adoção aprovada pela Justiça”, explica a advogada de família Mariana Turra Ponte. Registrar uma criança como seu filho, sem que ele seja seu filho biológico, sem passar pela Vara da Infância e Juventude, é considerado falsificação de documento e é ilegal.
Ao lado dos filhos biológicos e dos primeiros “adotados”, Daniel formava na família o que a investigação apontou como sendo a “primeira geração” de filhos — um grupo de oito pessoas que, segundo a polícia, tinha tratamento diferenciado por parte dos pais.
A “primeira geração”, apontam as investigações, tinha acesso a cômodos melhores, melhor alimentação e mais proximidade com Anderson e Flordelis.
As outras crianças foram chegando de diversas formas. Flordelis conta em sua biografia e já disse em várias entrevistas que 37 deles foram acolhidos de uma vez após sobreviverem aos ataques feitos por grupos de extermínio contra crianças que dormiam na Estação Central do Brasil.
Outros foram entregues diretamente por pais que não tinham condição de criar os filhos, segundo o livro sobre a vida da Flordelis. A pastora também chegou a buscar algumas das crianças após receber notícias de que elas estavam em situação de vulnerabilidade.
A própria Flordelis conta em sua autobiografia que começou a ter problemas com a Justiça ainda nos anos 1990, por causa da situação irregular das crianças – ela chegou a ser acusada de ser “sequestradora de crianças”.
Com o crescimento da família e os problemas com a Justiça, Flordelis e Anderson se mudaram diversas vezes fugindo das fiscalizações da Vara da Infância de da Juventude.
Para criar os “filhos”, ela teve ajuda de um ONG que começou a chamar a atenção da mídia para a situação da pastora. Flordelis começou então a ganhar notoriedade e ajuda para cuidar das crianças.
Com notoriedade pública cada vez maior, a pastora acabou conseguindo evitar que as crianças fossem retiradas pela Vara da Infância e da Juventude. Em entrevistas, ela afirmou que finalmente conseguiu “diálogo com um juiz” para um processo de “regularização” da situação dos filhos na Justiça, ganhando ao menos a guarda temporária de alguns deles. As informações são da BBC News.