Quinta-feira, 16 de janeiro de 2025
Por Redação O Sul | 8 de janeiro de 2021
Ministro da Saúde entre 2007 e 2011, período durante o qual pairou sobre o Brasil a ameaça da pandemia de gripe H1N1, o médico sanitarista José Gomes Temporão ressalta que a saúde pública só não está em uma catástrofe ainda maior por causa de seus profissionais. Ele também elogia a capacidade do sistema em providenciar imunização de forma ampla e ágil: “O Brasil é um dos poucos países capazes de vacinar 10 milhões de pessoas em um único dia”.
A saída da crise sanitária, prossegue o especialista, depende de o governo federal “deixar os servidores da Saúde trabalharem”. Temporão, de 69 anos, critica o atual titular da pasta, Eduardo Pazuello, por suposta falta de conhecimento. E lamenta que isso tenha criado uma “autoridade sanitária informal”, constituída por especialistas e gestores de outras esferas, para dar conta de um momento tão crítica.
“Se o governo federal finalmente chamar os sanitaristas, epidemiólogos, os técnicos e cientistas do Programa Nacional de Imunização (PNI) e entregar a eles a condução e a coordenação do esforço de vacinação, nós teremos sucesso”, argumenta. “É um momento crítico, porque temos até agora praticamente 20 milhões de pessoas vacinadas no mundo e, no Brasil nenhuma.”
“A saúde pública do Brasil é muito respeitada, inclusive internacionalmente”, elogia. “Havia expectativa de que enfrentássemos a situação poupando o maior número de vidas possível. Mas, infelizmente, uma série de obstáculos e opções nos levaram a essa situação dramática de 200 mil mortes. O SUS, de um lado, tem uma fragilidade por conta dos últimos dez anos, de redução de políticas, estratégias e financiamento.”
Ainda conforme o ex-ministro, a aprovação da Emenda Constitucional nº 95 pelo Congresso Nacional, em 2016, causou uma redução real dos gastos federais. A pandemia, então, encontra o sistema em uma situação de fragilidade, de desfinanciamento. “Por outro lado, ele se organizou, ao longo de 32 anos, em base habitacional, aumentou muito a cobertura”, prossegue.
Temporão avalia que o SUS enfrenta a crise sanitária entre uma fragilização mais conjuntural e uma fortaleza mais estrutural. “A estratégia brasileira está centrada, de maneira equivocada, na organização do sistema hospitalar de atendimento”, continua. “E esta é uma doença na qual o monitoramento, a testagem ampla, a detecção das pessoas sintomáticas e o seu isolamento reduzem a probabilidade de que se espalhe e haja muitas internações. Mas, desde o início não tivemos liderança.”
Derrota para a pandemia
Na avaliação do ex-ministro da Saúde que exerceu o cargo durante o segundo mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o Brasil enfrenta hoje a situação mais grave de toda a sua História e não se pode enfrentá-la sem coordenação do governo federal e sem contar com a ciência e a saúde pública.
“Mas o presidente rejeitou a ciência, ridicularizou as medidas de prevenção, criou uma falsa dicotomia entre saúde e economia. Não houve plano de comunicação para a sociedade”, crtica. “Os 200 mil óbitos mostram que fomos derrotados por esse vírus, mas, sem o SUS, seria uma situação de barbárie social, o caos total. Isso é fato.”
A omissão do governo federal pode levar Estados a organizarem suas próprias campanhas de vacinação. “Isso quebra uma das pernas do PNI, que é a centralidade, afinal é preciso uma estratégia para vacinar toda a população brasileira ao mesmo tempo, é isso que reduzirá drasticamente a circulação do vírus”, defende.
Para Temporão, é preciso uma estratégia de mobilização envolvendo empresariado, setor público e privado, igrejas, ONGs, partidos: “Tudo vai depender da velocidade com que a gente faça a campanha de vacinação. Se conseguirmos atingir pelo menos a metade da população até o meio do ano, e é possível, será um sucesso. Os sinais de preocupação vêm da paralisia do governo federal, que está nos levando a um beco sem saída”.
Ele encerra traçando um parelelo: “Em 2010 vacinamos 80 milhões de pessoas contra a H1N1 em três meses; em 2009, 40 milhões de adultos jovens contra rubéola e a síndrome da rubéola congênita. O Brasil é um dos únicos países do mundo que consegue, em um único dia, vacinar 10 milhões de crianças contra a poliomelite”.