Sábado, 11 de janeiro de 2025
Por Redação O Sul | 26 de setembro de 2015
No ano passado, 271 pessoas deixaram de ser “oprimidas pelas trevas da dúvida” em São Paulo. Neste ano, são 174 os católicos que aguardam na fila do Tribunal Eclesiástico da cidade para anular seu matrimônio.
O termo foi usado pelo papa Francisco para referir-se à espera dos fiéis que tentam provar, por meio da Justiça Canônica, que seus casamentos nunca existiram para, na maioria das vezes, casar outra vez na igreja. Assim como a Justiça comum, a divina também é morosa: a sentença pode demorar anos.
Para diminuir o tempo de espera, o pontífice anunciou a maior reforma em mais de dois séculos nos procedimentos de anulação do casamento na Igreja Católica. Agora, alguns casos poderão ser encerrados em até 45 dias. Ele também pediu que sejam cobrados só gastos indispensáveis. Em alguns Estados, o processo pode custar até dez salários mínimos.
O arcebispo Dom Odilo Scherer aposta que a demanda no Brasil aumentará. “Mais pessoas vão nos procurar. Teremos mais trabalho”, diz. A mudança, segundo ele, provocará a “redução da angústia das pessoas” e “a paz do coração”.
A reforma entra em vigor em 8 de dezembro. Na prática, o que muda é que algumas uniões poderão ser julgadas por bispos, sem passar por um trio de juízes. Além disso, não será mais necessária uma segunda sentença, feita por tribunais de segunda instância. No Brasil, há 46 tribunais de primeira instância e 17 de segunda.
“Tribunais eclesiásticos não funcionam com a velocidade desejável. Muita gente ficava apavorada com a demora e com os custos. Agora, o número de pedidos vai aumentar muito”, avalia o padre Jesus Hortal, autor do livro “Casamentos que Nunca Deveriam ter Existido”. Hortal, que é professor universitário de Teologia, já atuou em três tribunais eclesiásticos – em Porto Alegre, Goiânia (GO) e no Rio – e diz ter julgado mais de cem casos.
Ele ressalta que, para a Igreja, não existe a anulação de matrimônios, mas a comprovação de que, na realidade, nunca existiram – daí, o título do livro. Para dar o veredito, analisa-se o histórico do casal. Houve aborto, traição, brevidade ou violência física? O laço pode nunca ter existido e o casamento, portanto, pode ter sido um equívoco.
Para que uma união seja julgada de forma breve, segundo as novas normas do papa, um desses aspectos deve ter sido muito evidente. O preço do casamento de Cláudio Garcia dos Santos, 68 anos, e sua mulher, Maria Fátima Porto dos Santos, 64, sairá caro. Há dez anos, celebraram um casamento civil. E, desde então, conta Santos, pensam em pedir a declaração de nulidade para realizar a cerimônia na igreja. Mas, para isso, cada um deve apagar a união anterior, processo que o casal começou antes das reformas anunciadas. “A despesa é dobrada”, ri Santos, sem revelar o valor total, parcelado em 60 vezes.
Custo da anulação é alto.
Após o anúncio do papa, o empresário Moacyr Modesto Filho, 53, procurou o Tribunal Eclesiástico para anular um casamento de quando tinha 22 anos.
“Foi sem amor. Me juntei com a primeira doida que achei”, diz. Mas, quando soube do preço, desistiu. “É tipo comércio. As leis de Deus não deveriam ser tão caras assim.”
“O custo é alto, mas, para quem é da Igreja e quer casar de fato, vale a pena”, defende Aline Souza, 26, coordenadora de eventos que procura anular uma união de 2012 que durou cinco meses. Segundo Dom Odilo, a taxa dos casos mais rápidos ficará a cargo de cada Arquidiocese, que deverá se organizar para se adequar às regras.
Casar na igreja sempre foi um sonho da publicitária Juliana Santos, 38. Na primeira vez, não deu – o ex era ateu e o casamento foi no cartório. Na segunda vez, foi por pouco – o namorado já havia se casado na igreja. Juliana descobriu a brecha da nulidade. Recentemente, ela deu entrada no tribunal com os papéis do noivo, o empresário Hamilton Gradiz, 41. “Seu único pedido é que eu suba no altar com um véu enorme”, diz ela.