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Lenio Streck Demo-cracia ou parabellum-cracia? A crise do dia 30

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O Presidente Bolsonaro comparece a passeatas a favor de AI-5; não se coloca contra o desejo dos manifestantes. (Foto: Reprodução)

Em 31 de março de 1964 eu tinha 8 anos. Não sabia do que se tratava.

Todavia, senti o golpe na carne. Aprendi na concretude, quando meu pai foi preso em pleno trabalho na lavoura. Lembro a trilhadeira marca Continente cercada por mais de uma dezena de soldados levarem meu pai.

Durou 21 anos o pesadelo. E quando as feridas começam a descascar, anunciado apenas algumas marcas, vem de novo o medo. A ameaça. Pasmem: em 2021. Sim, em 2021, no meio de uma pandemia que mata mais do que duas bombas atômicas.

Nos mais de dois anos de mandato, são constantes as ameaças. O Presidente Bolsonaro comparece a passeatas a favor de AI-5; não se coloca contra o desejo dos manifestantes. Flerta com a subversão de policiais militares estaduais. E assim por diante. E, agora, a misteriosa troca do alto comando das forças armadas.

Se eu fosse parlamentar, teria ocupado a tribuna, no dia da crise (30 de março de 2021) para fazer um repto ao Presidente:

“Assuma seu desprezo pela Constituição. Pare com essa ronha de ‘o STF me impede de governar’, ‘os governadores estão implantando o estado de sítio’, ‘os governadores tiram a liberdade’” etc. etc., etc.”.

Sonha com golpe? Então faça. Mas tenha em conta que terá de fechar no mínimo a metade dos jornais, TVs, rádios, prender metade do Congresso, fechar o STF e aguentar o isolamento mundial. O Brasil não é uma ilha, mesmo que Vossa Excelência se esforce para tal. Rasgar a Constituição tem custos.

Como seria a chegada do Capitão-Presidente-autor-de-um-autogolpe na Alemanha? O Brasil viraria uma distopia? Um Giliade, nome do “novo país” (EUA) comandado pela nova ordem, conforme o arrepiante “O Conto da Aia”?

Algum país da União Europeia receberia o mandatário brasileiro? Hungria, talvez. Se hoje já está difícil depois do desastre do combate à pandemia e das patacoadas de Ernesto Araújo, que dirá se o Brasil passar por um regime de exceção.

O Brasil tem de se curar dessa ferida causada por 1964. Vamos admitir que podemos ser adultos politicamente e ter uma democracia. Demo-cracia: a força do povo e não uma parabellum-cracia

De uma vez por todas. Estamos em meio do maior desastre humanitário da história. O mundo já nos considera um país-pária. Já somos um perigo sanitário. Brasileiros são barrados no mundo todo.

O Brasil quer vacinas. Quer paz. Quer comida. O Brasil não quer golpe, Senhor Presidente. Mas, se quiser fazer um putsch, faça logo. Mas assuma o custo. Vai ter de prender milhões de pessoas. Milhões.

Veja-se o paroxismo. Até o deputado bem direitista Kim Kataguiri detectou o ar de golpismo que estava no ar no dia 30. E, cá para nós, neste ponto Kim é insuspeito. Algo como “se até Kim falou isso…”.

De minha parte, brado: “- Presidente: ainda dá tempo de Vossa Excelência ajudar na campanha contra o COVID. Imagine, com o seu prestígio, fazendo uma campanha dizendo “use máscara, faça distanciamento social e deixe de lado essa coisa de tratamento precoce – eu estava enganado”. Já pensou no sucesso?”

Ao terminar, vem-me à mente de novo a cena de meu pai sendo cercado pelos soldados em meio à colheita de arroz daquela minúscula lavoura no interior do interior do mundo.

E me vem à mente o meu dia seguinte. Do bullying de meus coleguinhas na escola… Que me cercavam e diziam: o teu pai foi presoooo…

E eu não sabia o que responder!

Não vamos reviver isso, Presidente. Nem em pensamento. Nem em (seu) sonho.

Viva, pois, a demo-cracia!

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https://www.osul.com.br/demo-cracia-ou-parabellum-cracia-a-crise-do-dia-30/ Demo-cracia ou parabellum-cracia? A crise do dia 30 2021-04-03
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