Quarta-feira, 25 de dezembro de 2024
Por Redação O Sul | 7 de novembro de 2021
Uma década depois de a Petrobras ter iniciado um ambicioso programa de venda de alguns de seus negócios, a estatal ainda deixa pouco espaço para a concorrência. Desde 2011, a empresa já se desfez de 80 ativos, como campos de petróleo, refinarias e gasodutos, mas pouco mudou em sua posição dominante no setor.
Responde pela operação de 92% da produção de óleo e gás, 98% do refino para a produção de combustíveis e entre 80% e 85% do abastecimento de gasolina e diesel.
A presença maciça da Petrobras e obstáculos técnicos e regulatórios para ampliar a competição no setor dificultam um alívio em preços como os dos combustíveis em momentos de alta do petróleo no mercado global, como agora. Só este ano, gasolina e diesel já subiram cerca de 45% nas bombas e mais de 60% nas refinarias da estatal.
Em 2019, a Petrobras firmou com o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), que regula a concorrência no país, um acordo de venda de ativos em gás e refino para suspender um inquérito administrativo sobre suposto abuso de posição dominante.
O objetivo era estimular o surgimento de competidores em segmentos monopolizados pela estatal, favorecendo a redução dos preços de produtos como gasolina, diesel, gás industrial e de cozinha. Mesmo com a venda de subsidiárias como BR Distribuidora e Liquigás, de distribuição de botijões, os preços não cederam. O gás de cozinha (GLP) subiu 36% só neste ano, e o GNV, para carros, 33%.
Na semana passada, em viagem à Itália para a cúpula do G20, o presidente Jair Bolsonaro disse que a Petrobras é “o principal problema” do governo. No sábado, em Ponta Grossa, no Paraná, disse a apoiadores que quer “ficar livre” da empresa e que estuda o fatiamento ou até partir para a privatização da companhia. Ele citou o aumento de combustíveis e lamentou a independência da estatal.
Com incertezas geradas pelas ameaças de Bolsonaro de intervir nos preços dos combustíveis – que, na Petrobras, acompanham fatores como a cotação internacional do petróleo e o câmbio –, a estatal tem tido dificuldades para achar compradores para suas refinarias.
Das oito que colocou à venda, que somam 50% da sua capacidade de produção de combustíveis, só se desfez de duas: Rlam, na Bahia, e Reman, no Amazonas. Unidades em estados importantes, como Repar (PR), Refap (RS) e Renest (PE) têm poucos interessados e ofertas abaixo do esperado pela estatal. O Cade prorrogou o prazo uma vez e diz que todas devem deve ser vendidas até o fim deste ano.
Para especialistas, o risco de interferência do governo nos preços afasta investidores. Além disso, aspectos técnicos relacionados ao modelo das refinarias e suas estruturas complementares dificultam o surgimento de novos competidores, ainda que uma unidade da Petrobras passe para mãos privadas.
Magda Chambriard, ex-diretora-geral da Agência Nacional do Petróleo (ANP) e coordenadora de pesquisa de óleo e gás da FGV, cita a venda da refinaria da Bahia como evento cercado de incertezas.
A Petrobras vendeu toda a infraestrutura associada à unidade de refino, como os dutos, para o fundo de investimentos Mubadala, dos Emirados Árabes, por US$ 1,65 bilhão.
“Se o novo comprador terá acesso a toda a infraestrutura local, que já estará ocupada com a própria operação da refinaria, como vai ser a concorrência na Bahia, que é um estado enorme? Entre os caminhões? Serão criados monopólios regionais, pois a Petrobras desenvolveu todas as suas refinarias no país para operarem de forma complementar. Por isso, a maior parte da venda de ativos da Petrobras é ineficaz para aumento da concorrência”, diz a especialista.
Para alcançar os objetivos do acordo com o Cade, dizem os especialistas, é preciso que o governo crie regras eficazes para permitir o livre acesso às infraestruturas de escoamento, hoje limitado ao espaço aberto pela Petrobras.
No setor de gás natural, a venda das redes de gasodutos TAG e NTS integrou um plano do governo para tornar o gás uma fonte de energia mais barata para indústrias.
Executivos do setor observam que, na prática, a Petrobras manteve contratos de uso dessa infraestrutura pelas próximas décadas, com cláusulas de renovação.
Assim, as chamadas públicas feitas pelos novos donos dos gasodutos abrem espaço para transporte de um volume pequeno de gás de outras empresas, incapaz de alterar a estrutura de preços definida pela estatal.
A Petrobras se desfez este ano da Gaspetro, uma subsidiária sócia de 19 distribuidoras de gás no país. Ainda assim, observa Edmar Almeida, pesquisador do Instituto de Energia da PUC-Rio, a estatal influencia o preço porque é a única fornecedora de gás para elas.
E isso está longe de mudar, já que a estatal concentra seus investimentos na exploração do pré-sal, responsável por 71% da produção de gás no país.
Mesmo na produção de petróleo e gás, cujo monopólio foi extinto há 24 anos, a Petrobras segue dominante. Segundo a ANP, a estatal produz 3,6 milhões de barris por dia, 92% do total no Brasil. As informações são do jornal O Globo.