Segunda-feira, 23 de dezembro de 2024
Por Redação O Sul | 2 de janeiro de 2022
João Cleiton Santos entrou na universidade em 2020, mas no início de 2021 teve que deixar o curso.
Foto: Acervo pessoalOs anos de 2020 e 2021 registraram os maiores índices de evasão de alunos do ensino superior privado no Brasil de toda a série histórica. Só neste ano, foram cerca de 3,42 milhões de estudantes que abandonaram as universidades privadas — uma taxa de 36,6% de evasão.
O número só ficou atrás do registrado no ano passado, quando cerca de 3,78 milhões de alunos evadiram das instituições, chegando a 37,2% de abandono. Os índices são de uma projeção feita pelo Semesp, instituto que representa as mantenedoras do ensino superior no Brasil, obtida com exclusividade pela Globonews.
O diretor-executivo do Instituto Semesp, Rodrigo Capelato, afirma que os estudantes mais afetados são aqueles com maior vulnerabilidade social. “São os que geralmente precisam trabalhar para poder estudar. A maioria estuda à noite. E tiveram perda de emprego, ou perda de renda por trabalho informal. Eles não conseguiam mais pagar a mensalidade ou não tinham, inclusive, infraestrutura para poder assistir às aulas remotamente”, explica o especialista em educação.
Quando o dado do Ensino a Distância (EAD) é separado do ensino presencial, a taxa é ainda mais alta. Em 2021, houve 43,3% de evasão no EAD — número maior, inclusive, que o de 2020 (40%).
Do ano passado para cá, Karen Gandra, de 24 anos, teve que deixar a universidade duas vezes. Primeiro, em agosto de 2020, quando cursava Psicologia em uma instituição privada em São Paulo. Por conta da pandemia, ela perdeu o emprego — que era sua única fonte de renda para pagar a mensalidade das aulas.
Em 2021, Karen voltou a estudar com a ajuda do noivo, que arcou com os custos da mensalidade até ela conseguir voltar a trabalhar. Mas, alguns meses depois, ela trancou a matrícula novamente. Desta vez, porque não se adaptou às aulas online. “Eu acabei desanimando na questão de estudar em casa, eu não conseguia focar, estava muito difícil.”
Inadimplência cresceu
As taxas de inadimplência nos dois anos de pandemia também foram as maiores já registradas. No ano passado, pela primeira vez, ela chegou perto de 10%.
O assistente de marketplace João Cleiton Santos, de 21 anos, entrou na universidade em 2020, mas, no início deste ano, também teve que deixar o curso. Ele estudava Tecnologia da Informação e precisava fazer estágio na área, mas não conseguia conciliar com o emprego que tinha em período integral.
“A bolsa do estágio era de R$800. No meio da pandemia, as coisas aumentaram, não ia dar certo. Eu pago aluguel, tem a questão das minhas dívidas também”, conta.
João Cleiton afirma que, no início do primeiro semestre, a turma em que ele estudava tinha cerca de 40 alunos. Pouco antes de ele sair, eram apenas 14. Segundo ele, a maior parte deixou o curso também por dificuldades financeiras.
Acesso à educação superior
Apenas 18% dos jovens de 18 a 24 anos no país estão no ensino superior. “A gente tem uma meta do Plano Nacional de Educação que teria que atingir 33% dos jovens até 2024. Nós não vamos atingir e ainda vamos piorar esse índice”, afirma o diretor-executivo do Instituto Semesp.
De acordo com Capelato, para um país desenvolvido, é necessário que cerca de 2/3 da população tenha escolaridade superior. “Sem isso, não conseguimos ganhar em eficiência, em competitividade, em desenvolvimento de indústrias de ponta. Quer dizer, não conseguimos ser competitivos mundialmente”, explica.
Em 2022, João já garantiu a matrícula na faculdade e vai conseguir conciliar os estudos com o novo trabalho — que também garantiu a ele um desconto na mensalidade.
Já Karen pensa em tentar um curso técnico. “Não estudar não está nos meus planos. Mas o que me chateia é ela parecer tão difícil, tão distante para mim. Eu vejo ao meu redor e para outras pessoas parece tão mais fácil”, desabafa.
Para o especialista em educação, a ampliação de políticas públicas de financiamento estudantil é essencial para mudar esse cenário. “Hoje em dia nem 5% dos alunos que ingressam no ensino superior ingressaram por meio de financiamento estudantil. Precisa-se ampliar isso para 40%, 50% se quisermos ter um país com acesso igualitário, democrático para todo mundo no ensino superior.”