Quarta-feira, 25 de dezembro de 2024
Por Redação O Sul | 27 de janeiro de 2022
Além de milhões de infectados com sintomas respiratórios, a pandemia de covid-19 teve impacto direto na saúde de gestantes e recém-nascidos no Brasil. Estudo do Conselho Federal de Medicina (CFM) mostra que, em 2020, o Sistema Único de Saúde (SUS) fez 842 mil consultas de pré-natal a menos do que no ano anterior. Foi uma queda de 13,5%. Para especialistas, o medo da infecção foi o principal motivo do afastamento das grávidas.
Em 2019, o SUS fez 6,2 milhões de atendimentos a gestantes, ante 5,3 milhões no ano seguinte, o primeiro da pandemia. A redução das consultas das grávidas tem impacto direto na realização de exames. Alguns podem ser cruciais para a saúde do bebê, como a ultrassonografia obstétrica. Outros são fundamentais para a mãe, como os testes de diagnóstico de HIV, sífilis, hepatite B, entre outros, que são rotina nessas consultas.
“A assistência preventiva, de qualidade, ainda é considerada inadequada, tanto em termos de alcance da população em idade reprodutiva quanto da qualidade em si”, atesta o especialista Ademar Carlos Augusto, coordenador da Câmara Técnica de Ginecologia e Obstetrícia do CFM. “O que já não era bom ficou pior ainda com a chegada da pandemia. Nosso levantamento mostra que tivemos redução significativa no número de consultas e oferta de exames. Provavelmente houve agravamento ainda maior no ano passado, com a chegada das cepas mais agressivas”, diz.
“O acesso das pessoas à rede de atenção primária já é uma dificuldade e, com a pandemia, foi ainda mais prejudicado; no caso da atenção à gestação foram menos consultas e, consequentemente, menos exames complementares indicados nessas consultas”, resume o vice-presidente do CFM, o pediatra Donizetti Giamberardino. “O vírus (Sars-CoV-2) agrava a desigualdade. Os lugares com mais dificuldade foram os que tiveram maior redução de acesso. Nos Estados que tinham infraestrutura mais robusta, a população sofreu menos.”
Utilizada para auxiliar no diagnóstico de possíveis má-formações fetais e para obter informações importantes, como idade gestacional, análise morfológica, aspectos da placenta, sexo, batimentos cardíacos e problemas cromossômicos, a ultrassonografia obstétrica caiu cerca de 12% em 2020. Foi o maior recuo registrado nos últimos dez anos.
Importantes exames diagnósticos que costumam ser feitos na gestante no pré-natal também registraram quedas muito significativas em 2020. O teste para detecção do vírus da Aids recuou 38%. Quando o HIV é detectado precocemente na gestante, é possível impedir a sua transmissão ao bebê. O número de testes diagnósticos para hepatite B caiu 38%.
No caso da sífilis, sexualmente transmissível e cuja incidência vem aumentando nos últimos anos, a queda foi de 34%. Outros exames essenciais que também tiveram redução foram o da hepatite C (menos 21%) e o que diagnostica o câncer de colo de útero (menos 45%).
“Como médico da ativa, que dá plantão em maternidades, posso dizer que temos percebido, de um tempo para cá, um aumento de casos das doenças sexualmente transmissíveis, como sífilis e HIV”, afirma Ademar Carlos Augusto. “Temos visto também muitos casos de sífilis neonatal e bebês soropositivos ao nascer. É natural que isso tenha aumentado durante a pandemia, mas ainda não temos esses dados.”
Segundo o levantamento, “ainda não é possível traçar com clareza os efeitos diretos da pandemia nos indicadores de morbidade e mortalidade de mulheres e bebês”. Mas, prossegue o documento, “as informações sobre os números de consultas e exames levantados pelo CFM já alertam para a necessidade de mais estudos sobre os possíveis desdobramentos epidemiológicos da covid-19 na população brasileira”.
A desigualdade do País fica mais uma vez explícita nos números. O impacto da pandemia foi bem menor nas Regiões Sudeste e Sul e muito maior em Norte, Nordeste e Centro-Oeste. “A pandemia tornou mais explícita a importância da atenção primária e como ela deve ser valorizada”, afirma Gianberardino. “E esse deve ser o grande papel do SUS no nosso País: combater a desigualdade”, acrescenta. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.