Quarta-feira, 23 de abril de 2025
Por Redação O Sul | 1 de fevereiro de 2022
A Justiça do Trabalho condenou a empresa Shox do Brasil Construções, responsável por uma obra na Base Aérea de Anápolis, em Goiás, a pagar indenizações por trabalho análogo ao escravo. Serão R$ 500 mil para o Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT), e R$ 5 mil para cada um dos sete trabalhadores que estavam no alojamento da empresa em 23 de novembro de 2020, quando foi feita uma ação de fiscalização no local. Entre outras coisas, os fiscais constataram condições degradantes no alojamento e falta de comida, com relatos de que os trabalhadores chegaram a passar fome.
A decisão, tomada na semana passada pela juíza Nayara dos Santos Souza, foi revelada pelo jornal Folha de S.Paulo e confirmada pelo jornal O Globo. A magistrada determinou ainda que a empresa custeie o deslocamento dos trabalhadores a seus estados de origem. A Shox foi contratada por meio de uma concorrência pública do Ministério da Defesa para fazer a obra de hangar de manutenção da aeronave KC-390, no valor de R$ 19,5 milhões.
Segundo a juíza, ficou demonstrado que a Shox “infringiu diversas normas, entre elas a NR 24, que cuida das Condições Sanitárias e de Conforto nos locais de trabalho, restando caracterizado que os trabalhadores estavam submetidos a condições degradantes de trabalho, e por conseguinte, análogas à de escravo”.
O advogado Roseval Rodrigues Filho, que representa a empresa, disse não concordar com a decisão, nem que havia trabalho degradante ou escravo. Ele informou que vai ser apresentado um recurso ao Tribunal Regional do Trabalho (TRT) de Goiás. Destacou ainda que as acusações à empresa dizem respeito à situação do alojamento, e não ao canteiro de obras localizado na base aérea.
Em outubro de 2020, um trabalhador ligou para a Justiça do Trabalho relatando falta de pagamento e dificuldades para obter comida e poder voltar para suas famílias. Em 23 de novembro de 2020, uma ação de fiscalização no local resultou em 26 autos de infração. Foi constatado, por exemplo, que os trabalhadores tinham sido levados irregularmente de outros estados para Goiás.
Todos os trabalhadores foram ouvidos na época. Segundo a juíza, eles relataram condições precárias de moradia e não fornecimento regular de comida, tendo inclusive passado fome.
No curso do processo, a Shox alegou que uma empresa terceirizada contratada para fazer a estrutura metálica do hangar abandonou a obra. A Shox decidiu manter o alojamento mantido pela outra empresa, em relação ao qual não havia nenhuma reclamação. À Justiça, a Shox também negou que outros trabalhadores, além dos sete que estavam no local no momento da chegada dos fiscais, tenham sido retirados do alojamento antes da fiscalização.
A juíza, porém, destacou que ficou provado que a Shox “foi extremamente omissa e negligente em não visitar o local onde os funcionários seriam alojados e sequer se preocupou em confirmar as informações supostamente repassadas” pela outra empresa.
A Shox também informou à Justiça que os trabalhadores recebiam almoço na obra nos dias de trabalho, além de R$ 380 mensais para subsidiar as demais refeições, e negou que eles estivessem passando fome. Mas, de acordo com a magistrada, não houve comprovação de pagamento em novembro de 2020 para que os trabalhadores pudessem adquirir comida.
Trecho de documento produzido durante a ação de fiscalização em 2020 diz que “restou caracterizada situação grave e iminente risco à saúde dos empregados, estando presentes diversas falhas na manutenção e higienização do citado alojamento, sem as condições mínimas de higiene e de conforto, colocando os empregados da obra de construção do hangar de manutenção para o avião KC-3902 da Ala 2 em situação de completo abandono, falta de higiene e até mesmo fome, tendo de pedir dinheiro emprestado para comprar alimentos e ter condição de laborar no ritmo exigido pela empresa”.
Além disso, “os trabalhadores estavam em situação periclitante, dormindo em alojamento em condições precárias, com sujidades para todos os lados, com banheiro fétido, em ambiente sem as condições mínimas de higiene e de conforto”.
Ainda de acordo com o documento: “O risco de contrair doenças no citado ambiente é significativamente grande, que chegou a receber num só momento 24 (vinte e quatro) trabalhadores. No momento da inspeção, estavam alojados 7 (sete) trabalhadores, todos submetidos ao contexto narrado de completa falta de limpeza, higiene e sanitização do ambiente, o que enseja a adoção da medida de urgência da interdição. Em derradeiro, os trabalhadores narraram que acordavam com dores no corpo diante da inadequada noite de sono antes no chão, e depois em colchões comprados pelos próprios trabalhadores sem cama e no calor.”
Em dezembro de 2020, uma nova fiscalização no local constatou que a empresa adotou várias medidas, e houve a suspensão do embargo da obra. Em março de 2021, o Tribunal Regional do Trabalho (TRT) de Goiás anulou uma outra decisão da juíza de Anápolis que havia determinado o bloqueio de R$ 976 mil da empresa. As informações são do jornal O Globo.