Sexta-feira, 10 de janeiro de 2025
Por Redação O Sul | 11 de fevereiro de 2022
Com 11 anos, a estudante brasileira Maria sentiu na pele a violência que a família tentou evitar ao trocar o Rio de Janeiro por Portugal. É a mais recente vítima das crescentes agressões em escolas públicas do país. Com agravante: os golpes foram filmados, veiculados nas TVs portuguesas e compartilhados na velocidade dos socos e pontapés que recebeu de outra aluna.
As agressões sofridas na última sexta-feira pela brasileira, reveladas pelo Jornal de Notícias, transmitidas pelas TVs e que tiveram cobertura e análise na imprensa, chocaram e abriram os olhos da sociedade para os episódios de violência em idade cada vez mais precoce, bullying e comportamento das crianças nas redes sociais. E dentro das escolas, consideradas de excelência e que sempre aparecem como um dos motivos que levam famílias brasileiras a Portugal
Houve casos recentes de violência semelhantes com intervalo de menos de trinta dias em diferentes cidades e regiões do país. Em outubro de 2021, a Guarda Nacional Republicana (GNR) relatou 467 crimes nas escolas no ano anterior. Os registros têm vindo a descer, mas não parecem acompanhar a realidade das escolas.
A própria Maria, em áudios enviados ao Portugal Giro pelo WhatsApp da mãe, Antônia Silverlene Melo, revelou qual a frequência dos episódios violentos em sua escola, a Ruy D’Andrade, no Entroncamento, pequena cidade de Santarém onde vive com a família.
“Praticamente todos os dias”, disse Maria.
A estudante brasileira chegou a frequentar aulas alguns dias esta semana até parar de ir. Ela contou que está bem, mas sente medo de ir à escola e ser agredida novamente, porque tem recebido a culpa pela dimensão que o episódio ganhou. A família já definiu que Maria será transferida de escola e ainda vai decidir se mudam de cidade.
“Estou bem, graças a Deus. Senti muitos olhares e (fiquei) um pouco mal. As alunas me culparam por minha mãe tentar me proteger e falaram que não deveria ter feito denúncia. Os professores me apoiaram, se preocuparam bastante, mas as alunas continuavam implicando um pouco”, contou Maria.
Questionada se sentia medo que a agressão se repetisse, respondeu: “Sim, tenho medo, sim.”
Antônia Silverlene Melo, formada em recursos humanos, natural de Ipueiras (CE), mas que vivia em São Gonçalo (RJ), disse ao Portugal Giro que resolveu prestar queixa à polícia e denunciar para tentar interromper o ciclo cotidiano de violência.
Ela contou que a filha foi agredida duas vezes na última sexta-feira, 4 de fevereiro. Só a primeira foi filmada pelos outros alunos, que não se envolveram, assim como nenhum professor ou funcionário, garantiu a mãe.
Mas o drama de Maria é antigo. Segundo Melo, a menina tem sido perseguida na escola e na internet há alguns anos por ser brasileira e considerada feia pelas amigas. A família está em Portugal desde 2018. Além dos insultos à aparência física, houve xenofobia dentro da escola, garantiu Melo.
“Ela já entrou na turma com problemas anteriores. Diziam que ela era feia, esquisita e mandaram voltar para terra dela. Maria tinha um livro de uma série popular, ‘Death note’. E as crianças disseram que, por isso, Maria teria o poder de matar todo mundo. A partir daí, minha filha começou a falar com ela mesma que queria morrer e a turma passou a rejeitá-la”, declarou Melo.
Rute Agulhas, psicóloga clínica e forense, coautora do livro “Um por todos, todos contra o bullying”, explica que a nacionalidade estrangeira pode ser um alvo de quem pratica bullying nas escolas públicas. “Qualquer característica que se destaque ou que seja diferente de alguma forma (etnia, nacionalidade, peso, altura ou uma deficiência) aumenta o risco”, informou Agulhas ao Portugal Giro.
Após consultas com a psicóloga brasileira Cíntia Oliveira, Melo soube que Maria passou a ter um comportamento com tendência à depressão devido ao bullying sofrido na escola e na internet.