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Por Redação O Sul | 16 de maio de 2015
E não é que Woody Allen ouviu a reclamação de seus antigos fãs e resolveu voltar à pegada mais densa/intensa de seus grandes filmes da fase com Mia Farrow? O novo filme do autor que passou aqui em Cannes o leva de volta à época de “Crimes e Pecados”, de 1989. “O Homem Irracional” é sobre um professor de filosofia que começa citando Kant e seus questionamentos éticos e termina cometendo um assassinato, que, para encobrir, o leva a outra tentativa de morte. Joaquin Phoenix é o intérprete do papel e do elenco participam as atrizes americanas Emma Stone e Parker Posey, duas habitués dos filmes mais recentes do diretor nova-iorquino.
Nada a ver com certa frivolidade do recente “Magia ao Luar”. A própria trilha afasta Allen de seus standards jazzísticos – e ele nunca foi tão barulhento em suas escolhas musicais. Ou seja, existe mais novidade no novo Woody Allen do que em tudo o que ele fez recentemente, só não é tão grande quanto os filmes dos anos 1980, sua fase mais criativa, com lampejos ocasionais posteriores.
O público adorou. Ninguém aplaudiu durante – como no ótimo “Mad Max: Estrada da Fúria”, de George Miller, que recebeu ovação em cena aberta –, mas “O Homem Irracional” foi bastante aplaudido depois. Woody Allen veio com seu elenco e disse o que foi o tom do texto até aqui. Está feliz de voltar a uma linha de cinema da qual se afastara voluntariamente. E o que o levou a isso? A necessidade de refletir sobre o estado do mundo, por mais que pareça pedante.
Rainha obcecada
Houve nesta sexta-feira (15), um encontro do repórter com Matteo Garrone. O diretor italiano de “Gomorra” e “Reality” – ambos premiados aqui em Cannes – está mostrando seu primeiro filme em língua inglesa. “Tale of Tales” baseia-se em histórias de Giambattista Basile, que Italo Calvino chamava de “Shakespeare napolitano”. São contos de fadas, histórias de reis e princesas e monstros marinhos, mas Garrone reconhece que são contos perversos, e por isso mesmo se dirigem mais ao público adulto.
Para ele, é um filme sobre o desejo, que vira obsessão. Mas pode-se fazer outra leitura – o que se deseja muito pode trazer consequências indesejáveis. Garrone não crê que “Tale of Tales” seja muito diferente de seus filmes anteriores. Para ele, o que os une é a imaginação visual. “Fui pintor até os 26 anos, e aí desisti da pintura para ser cineasta. Meus quadros são figurativos, e o cinema, com seu realismo, é para mim uma arte figurativa. Para Contos, inspirei-me num mestre italiano de horror, Mario Bava, e na série de 82 gravuras do pintor espanhol Francisco de Goya sobre a guerra. Não sei o que você pensa, mas foi um filme que me deu muito trabalho e do qual estou orgulhoso”, comentou ele.
Um filme como “Tale of Tales” não deixa de causar estranhamento na competição de Cannes. Essa ideias de uma rainha que quer um filho e precisa comer o coração de uma besta marítima, cozinhado por uma virgem. Nada disso parece fazer muito sentido, mas Garrone acha que “Tale of Tales” é só uma outra forma de refletir sobre a realidade, e, no limite, é isso que interessa a todo o mundo, aos autores como ao curador Thierry Fremaux.
Un Certain Regard
Em 2009, o grego Yorgos Lanthimos ganhou o prêmio da seção Un Certain Regard com “Canine”. Ele volta a Cannes na competição com “The Lobster” (A Lagosta), sobre um assustador mundo futuro em que os solitários se escondem na floresta e cometem atos de vandalismo.
No universo de “The Lobster”, as pessoas são forçadas a viver em dupla. Os que se separam são enviados para um hotel e têm 45 dias para estabelecer nova união. Em caso de fracasso, vencido o prazo de validade, viram animais da própria escolha. Colin Farrell, por exemplo, divide o quarto com o irmão, transformado em cachorro.
O cinema já revelou muitas distopias, e na maioria o foco está na descendência. Filhos são proibidos ora limitados. Aqui, o foco é outro. Existem ecos de François Truffaut/Ray Bradbury nos solitários que se escondem na floresta, como os homens-livros de “Fahrenheit 451”. O que não se pode negar é a capacidade de Lanthimos de criar clima, e com sugestiva utilização da música. (Luiz Carlos Merten/AE)
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