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Política 90 anos do voto feminino no Brasil: das pioneiras à alta desigualdade na política

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Eleitora mostra o cartão de voto no pleito de 1934, a primeira em que mulheres tiveram oficialmente o direito de votar no Brasil.

Foto: Reprodução
Eleitora mostra o cartão de voto no pleito de 1934, a primeira em que mulheres tiveram oficialmente o direito de votar no Brasil. (Foto: Reprodução)

O dia 24 de fevereiro de 1932 foi bastante comemorado no Rio Grande do Norte. Não de maneira apoteótica, como o carnaval de rua sugere ou a Festa de São João induz, mas sim de forma contida: com pequenas reuniões em jardins, regadas a chás e quitutes.

As celebrações marcavam a sanção do primeiro Código Eleitoral (Decreto nº 21.076), que garantiu oficialmente às mulheres acima de 21 anos os direitos de votar e serem votadas no Brasil. A conquista foi celebrada em todo o País, mas como o Estado nordestino foi pioneiro na conquista o chá estava mais doce por lá.

Tanto a primeira eleitora brasileira (a professora Celina Guimarães votou pela primeira em 1927), como a primeira política eleita (a prefeita de Lajes, Alzira Soriano, que assumiu o cargo em 1929) são naturais do Rio Grande do Norte.

Também pudera: Celina e Alzira entraram para a história graças à Lei Estadual nº 660, de 25 de outubro de 1927, que tornava o Rio Grande do Norte o primeiro Estado a estabelecer a não distinção de sexo para o exercício do voto.

As potiguares estamparam jornais do mundo todo por serem pioneiras no Brasil e estarem entre as pioneiras da América Latina. Até hoje a presença das mulheres na política brasileira ganha espaço na mídia internacional, mas, 90 anos depois, os destaques são bastante diferentes.

Os índices ruins do Brasil

De acordo com dados do Inter-Parliamentary Union, organização que reúne os parlamentos dos países ligados à ONU, o Brasil está na 142ª posição no ranking de participação de mulheres no congresso nacional. De todas as Américas (38 países e 18 dependências), o Brasil supera apenas o Paraguai (144ª), Bahamas (151ª) e Belize (154ª).

Trocando em miúdos, o Brasil perde para países economicamente mais pobres (como Honduras, Colômbia e Equador, segundo índice do Banco Central), com índices educacionais mais baixos (como Argentina e Peru, segundo o PISA) e até para uma democracia mais fragilizada, como é o caso da Venezuela.

“Se toda uma área está evoluindo para um mesmo caminho, podemos dizer, com clareza, que há uma sensibilidade e compreensão de um problema. Mais mulheres em espaços de poder significa mais democracia, mais democracia significa mais justiça social”, afirma Marlise Matos, coordenadora do Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre a Mulher da Universidade Federal de Minas Gerais.

Dados do Atenea, estudo realizado pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) em parceria com a ONU Mulheres, divulgados em 2020, ilustram a fala da professora.

Além de considerar a presença de mulheres na cena política, o levantamento analisou oito tópicos como “grau de participação das mulheres no sufrágio”, “existência de estruturas voltadas à igualdade de gênero nos partidos e sua atuação como instância decisória” e “poder legislativo” em 11 países da América Latina.

A métrica utilizada foi o Índice de Paridade Política (IPP) que conta com uma escala de 0 a 100 pontos. A maior nota dada para o Brasil foi 80 no quesito “exercício do direito ao sufrágio”, e a menor nota foi 13,3 pontos no item “cotas e paridades”. O Brasil amarga a nona posição.

“As mulheres no Brasil não sofrem de uma baixa representação, mas sim uma exclusão na política. Enquanto a maioria dos países está discutindo equidade de gênero, nós ainda estamos lutando para execução de cotas”,  diz Marlise Matos, professora da UFMG. Segundo a acadêmica, que estuda o tema de gênero na América Latina há mais de 20 anos, o maior problema para a falta de candidaturas femininas é a estrutura dos partidos.

“O partido político é o gatekeeper, ou seja, quem define as candidaturas. E quem preside os partidos? Homens brancos. É muito comum ouvir de dirigentes ‘eu reservei a cota, mas as mulheres não vêm’. Isso é jogo cênico. Há falta de apoio nos partidos, que vão desde atraso no repasse de financiamento para campanha até silenciamento de candidatas”, diz.

A chance de escrever o futuro

Enquanto aqui a discussão de cotas e a representação mínima de mulheres na política engatinha, no Chile o tema ensaia dar saltos.

Em outubro do ano passado, 78% dos chilenos foram às urnas votar “sim” no plebiscito que perguntava sobre a necessidade de uma nova Constituição que substituiria a Carta Constitucional escrita por militares em 1980 durante a ditadura de Augusto Pinochet.

Dentre as mudanças propostas, estavam também alterações no processo de escrita. A convenção, caso o “sim” ganhasse, teria de assegurar paridade de gênero dentre as 155 pessoas eleitas pela sociedade para redigir o documento.

A pessoa eleita para presidir a convenção foi a líder mapuche Elisa Loncon, seguida pelo ex-deputado Harry Jürgensen e, em terceiro, Patricia Politzer.

“O primeiro produto que sairá dessa nova constituição virá da sociedade civil, das organizações sociais e populares. Ter um quórum misto permite que mais pessoas e mais grupos sejam ouvidos”, explica Alondra Carrillo, porta-voz da constituinte feminista e do movimento 8M.

“Nosso desejo e nossa missão é que este seja um documento mais democrático, que impeça que o poder continue nas mãos de líderes de pequenos setores que lutam por seus interesses pessoais.”

Embora o Chile tenha passado por uma efervescência social e política nos últimos anos, a ativista defende que ainda há muitos outros campos na política que precisam de paridade de gênero. Atualmente, dos 155 deputados, apenas 35 são mulheres. No Senado, as mulheres ocupam somente dez das 43 cadeiras.

Há conquistas, mas também há violência

Desde a época da independência da Bolívia, as mulheres são destaques nas lutas sociais, o que se reflete na política: metade do parlamento é composta por mulheres, enquanto no Senado, as mulheres são maioria, com 20 das 30 cadeiras.

Na economia os índices de gênero tentam acompanhar a política. Das dez famílias mais ricas, três são chefiadas por mulheres, mas em praticamente todas há participações de mulheres em cargos empresariais importantes. Seria este o cenário ideal para a paridade de gênero?

“Definitivamente não”, responde a historiadora boliviana Sayuri Loza.

“Apesar da grande quantidade de mulheres em cargos eleitos, há pouquíssimas leis que nos favorecem ou garantem nossos direitos. Também não existem mulheres em cargos estratégicos, como presidente dos partidos. Isso faz com que haja uma ‘saudação à bandeira’ [termo boliviano que pode ser comparado ao ‘voto de cabresto’] com o que o partido decidir. Não são raras as vezes que os partidos decidem algo que vai contra os direitos das mulheres. E se elas vão contra esse sistema, são aniquiladas.”

O termo, neste caso, pode ser usado tanto simbolicamente como na prática. A violência física contra mulheres políticas na Bolívia, de fato, é alarmante.

Há dezenas de exemplos recentes, mas um caso específico ganhou o noticiário internacional em 2019, o de Patricia Arce. A prefeita de Vinto foi sequestrada e obrigada a andar descalça por quilômetros banhada por uma tinta vermelha, após ser agredida por um movimento extremista.

“A Bolívia está passando por um período de violência que é promovido pelos próprios partidos políticos e grupos sociais extremistas. Essa dicotomia de “nós” versus “eles” é benéfica para o jogo político, não para a sociedade”, diz Sayuri Loza, filha de Remedios Loza, a primeira “mujer de pollera” (mestiças que usam trajes tradicionais) a presidir a Câmara de Deputados na Bolívia.

“Com a mulher isso se torna ainda mais violento porque ela é um alvo muito mais fácil: pode difamar a vida sexual, seu corpo, sua família. A mulher sempre está mais vulnerável.”

Mas como na política nada é eterno, é possível encontrar uma saída para aumentar a participação efetiva de mulheres na política — mesmo que seja fora dos moldes tradicionais.

“Esse desprestígio para com a classe política está fazendo com que nasça uma nova política. Não em termos de partido, mas que envolva redes sociais. Influenciadores são a nova política”, diz Sayuri comparando como exemplos a ativista Maria Galindo e a deputada Estefania Morales. “Galindo tem muito mais acesso [à cúpula da política], mais abertura do que Estefania. É nítido”.

Seria a internet um território neutro na questão de gênero? “Nas redes sociais, sim. A imagem feminina vende mais que a masculina. Só nos resta entender como usar”, conclui a historiadora e artesã, como gosta de enfatizar para registrar sua herança ‘chola’.

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