Quarta-feira, 25 de dezembro de 2024
Por Redação O Sul | 3 de julho de 2022
Um roteiro de assédios variados, impossível de escapar. Um esquema implacável. E, se conseguisse escapar de uma investida sexual, havia outro tipo de assédio na esquina: o moral. É assim que funcionárias e funcionários da Caixa Econômica Federal – em cargos estratégicos – resumem o que viveram no trabalho desde que Pedro Guimarães chegou ao banco, em 2019. Eles chamam o período de “inferno”.
Mas Guimarães não agiu só. Quando assumiu, o ex-presidente da Caixa levou homens de confiança e os transformou em seus aliados. Para muitos dirigentes do banco ouvidos pela reportagem nos últimos dias, homens (e mulheres) cúmplices de um esquema que ia de aliciamento de funcionárias a acobertamento desses crimes estão, agora, na mira do Ministério Público.
Em seu blog, a jornalista Andréia Sadi afirma ter sido procurada por dezenas de mulheres e homens que, “antes orgulhosos de exibir o crachá da Caixa, hoje amargam danos psicológicos, pessoais e profissionais por terem sido alvo da cultura de assédio implementada por Guimarães nos últimos três anos”.
Os diversos relatos ouvidos revelaram um modus operandi comum: uma mulher era alvo do interesse de Guimarães, era sondada por Celso Leonardo e, no momento em que recusava as investidas do chefe, caía em desgraça dentro do banco, com rebaixamentos de funções específicas.
Uma vez deslocada, chegava “carimbada” ao novo setor, o que significava permissão aos novos chefes, cúmplices de Guimarães, para praticarem assédio moral como “punição”.
Por sofrerem por muitos anos com medo das ameaças de Guimarães, esses funcionários passaram a se organizar nos bastidores e produzir provas materiais, entre mensagens de WhatsApp, vídeos, documentos e áudios do que viveram para entregar ao Ministério Público.
“Dossiê KGB”
O “dossiê KGB”, que oficialmente era chamado de “Relatório de Integridade”, consistia em usar como desculpa um “filtro, uma pesquisa reputacional” sobre o histórico do funcionário – como, por exemplo, se ele tinha ficha criminal ou pendências na Justiça.
Mas, segundo os relatos das vítimas, o objetivo, na verdade, era fazer uma devassa na vida pessoal do funcionário, questionando-o sobre as amizades, as posições políticas suas e de seus amigos, além da religião. Se fosse considerado de esquerda ou amigo de alguém de esquerda, por exemplo, estava condenado à morte profissional.
Em um episódio, um homem foi chamado por um encarregado de Guimarães e Antonio Carlos Ferreira a explicar por que estava, em uma foto nas suas redes sociais, abraçado a um funcionário da Caixa que era de esquerda. Ele não entendeu o questionamento. Antonio Carlos é o vice-presidente de logística da Caixa que, antes, foi presidente do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf).
Outro homem, com mais de 20 anos de Caixa, se submeteu a um processo seletivo para ser promovido para uma função em 2020. Passou, mas foi cortado assim que “apareceu” como filiado a um partido “de esquerda” nos anos 2000 – 20 anos antes.
Pior: não sabia do que de tratava quando foi chamado e tomou um susto. Para esclarecer o caso, se dispôs a ir até partido, pedir a tal ficha de filiação e, com o papel em mãos, foi ao cartório. Com o documento oficial – com firma reconhecida – de que aquela assinatura da ficha de filiação não era dele, voltou à Caixa. Mas não adiantou: mesmo assim, ele perdeu a promoção.
Imagem na lama
Desde que os casos foram revelados, outras mulheres e homens procuraram colegas para se juntar aos relatos e vão engrossar a lista de denúncias ao MP.
Desses dirigentes, caíram Guimarães e Celso Leonardo – mas Antonio Carlos e outros ainda permanecem nos quadros da empresa. A nova presidente do banco, Daniella Marques, tem prometido, nos bastidores, ser implacável contra a cultura do assédio no banco, e o MP avança no organograma do esquema de homens (e mulheres) que sustentaram o reinado de Guimarães.