Quinta-feira, 26 de dezembro de 2024
Por Redação O Sul | 5 de agosto de 2022
A alta incidência da varíola dos macacos (monkeypox) entre “homens que fazem sexo com homens” (HSH) e o pedido da Organização Mundial da Saúde (OMS) para que gays e bissexuais reduzam contatos e parceiros sexuais criaram um problema que a ciência e as autoridades tentaram evitar. Pacientes com a doença apontam para uma onda de comentários preconceituosos e homofóbicos, desinformação, paranoia e medo, ao mesmo tempo em que outra parcela da comunidade LGBT+ se nega a encarar os fatores de risco e acredita ser alvo da mesma perseguição motivada pela epidemia do HIV/Aids na década de 1980.
Com 30 anos e vivendo com HIV, o influenciador e comunicólogo Lucas Raniel descobriu que estava com a varíola na segunda semana de julho, quando começou a ter febre e, em seguida, as feridas características da doença. Após o diagnóstico, ele começou a contar sua rotina e dividir detalhes do tratamento nas redes sociais, onde acumula mais de 70 mil seguidores.
“Desde que comecei a falar sobre, a quantidade de mensagens é insana”, diz Raniel. Ele conta que é procurado tanto por pessoas com medo de terem se infectado e mandando fotos de possíveis lesões, “quanto gays morrendo de medo e achando que vão se infectar e morrer amanhã”. O preconceito também dá as caras, com frases como “tá vendo, quem mandou ser gay e sair transando com todo mundo”.
Varíola dos macacos
Os primeiros casos notificados na Europa foram em festas e saunas voltadas ao público gay, no início de maio. As comemorações do Orgulho LGBTI+ no mês seguinte e o fato de que essa comunidade tem uma “rede interligada” de contatos fizeram com que o vírus se espalhasse rapidamente entre “homens que fazem sexo com homens”.
“A comunidade LGBT+ acaba negligenciando essas questões porque já somos inflamados sobre muitas coisas. Quando nos entendemos como gays, já pensamos se o HIV vem nesse combo ou não”, afirma Raniel, que vê parte da comunidade tentando se esquivar dos avisos e riscos.
DJ e modelo de 22 anos, Doug Mello diz que quando falou sobre seu diagnóstico nas redes sociais também recebeu mensagens de carinho, apoio e desejos de melhora, mas não só. “Fiquei abismado com a ignorância de muitos, que não procuram saber o que é e nem se informar. Teve uma parte que veio me atacar, dizendo que seria ‘a nova doença dos gays’. Fico apreensivo, porque podem achar que só pega por sexo”, conta.
Dificuldades na comunicação
A ciência ainda não decifrou se a varíola dos macacos é transmitida pela penetração ou pelo sêmen, mas o comportamento similar ao de uma IST fez com que ela fosse relacionada a uma possível promiscuidade dos pacientes. O preconceito se agravou após Tedros Adhanom, diretor-geral da Organização Mundial da Saúde, pedir para que os “homens que fazem sexo com homens” diminuíssem contatos e parceiros sexuais.
A fala foi criticada pela comunidade LGBT+, ainda que ele tenha esclarecido que o enfoque nos HSH era para prevenção e prioridade na vacinação, na tentativa de frear a doença. “O estigma e a discriminação podem ser tão perigosos quanto qualquer vírus e alimentar o surto”, disse Adhanom.
“Nos preocupamos com esse enfoque (na comunidade HSH), em razão do que vivemos com a Aids, que deixou impacto muito negativo. Um dos atributos do estigma é essa rotulação, que afasta a população das buscas por tratamento”, aponta Anderson Reis, doutor em Enfermagem e professor da Universidade Federal da Bahia (UFBA), com foco na saúde masculina.
“Tem o ponto correto de tornar visível que homens gays estão sendo afetados desproporcionalmente, e isso é bom para a comunidade estar alerta; mas o ponto ruim é que volta para a mesma questão do HIV”, afirma o pesquisador da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo Daniel Barros. “É o grande erro: a associação massiva de que gays são os únicos responsáveis por transmitir a doença.”
“Se tivéssemos tomado uma ação rápido o suficiente e pensado que as vidas e a saúde de homens gays e bissexuais são importantes o suficiente para tirarmos vacinas do freezer e colocá-las nos nossos corpos, nem estaríamos nessa conversa”, disse Keletso Makofane, membro da Sociedade Internacional da Aids.