Quarta-feira, 18 de dezembro de 2024
Por Redação O Sul | 29 de setembro de 2022
Mariano Cohn e Gastón Duprat formam uma dupla criativa que levou ao cinema argentino contemporâneo o exercício da comédia sarcástica, com claras intenções de criticar determinados círculos sociais.
Essa característica atravessa os longas da dupla que mais circularam internacionalmente, como “O Homem ao Lado” (2009); “Querida, Vou Comprar Cigarros e Já Volto” (2011), “O Cidadão Ilustre” (2016) e, agora, “Concorrência Oficial”, coprodução com a Espanha que reúne duas grandes estrelas do cinema ibérico (Penélope Cruz e Antonio Banderas) e o ator argentino Oscar Martínez (protagonista de “O Cidadão Ilustre”).
Se “O Homem ao Lado” e “Querida, Vou Comprar Cigarros e Já Volto” tinham como alvo uma certa classe média, “O Cidadão Ilustre” e “Concorrência Oficial” voam na jugular dos círculos de prestígio do mundo artístico — a literatura, no caso do primeiro, e o cinema, no caso do segundo.
“Concorrência Oficial” (uma tradução imprecisa para “Competencia Oficial”, título que se refere às mostras competitivas dos grandes festivais internacionais, designadas por aqui como “competição oficial”) começa com um grande empresário argentino bilionário em crise com sua reputação (José Luis Gómez), que pensa em formas de melhorar sua imagem. Uma delas é produzir uma película que conte com “os melhores” representantes do setor.
Ele compra os direitos de um romance de um escritor premiado com o Nobel e contrata a diretora Lola Cuevas (Penélope Cruz) e os atores Félix Rivero (Antonio Banderas) e Ivan Torres (Oscar Martínez) — todos premiadíssimos — para levar adiante o projeto.
A partir daí, o filme se concentra no processo de preparação para as filmagens e na relação entre Lola, Félix e Iván. Cada segmento será como uma gag, ridicularizando, sobretudo, os processos criativos de Lola e as atitudes regidas pela vaidade de Félix, que não tem problemas em se considerar uma grande estrela, e Iván, que esbanja a falsa modéstia.
As situações imaginadas por Cohn e Duprat são cômicas por que exageradas — mas com um efeito curto. Depois de algumas surpresas capazes de arrancar gargalhadas, principalmente nos exercícios propostos por Lola, as situações parecem obedecer a uma fórmula.
Na escolha por uma estrutura que encadeia esquetes sem uma costura que dê sentido ao conjunto, a crítica termina sendo mais direcionada aos personagens e seus egos (os atores envolvidos, ótimos, ajudam) do que aos processos nos quais eles estão inseridos (no caso, a estrutura de legitimação e prestígio da cadeia de produção cinematográfica).
Nesse ponto, “Concorrência Oficial” é atravessado por uma ironia profunda. Cohn e Duprat abraçam um subgênero da comédia que é, justamente, aquele mais aceito no círculo dos grandes festivais. As competições dos maiores eventos do cinema, como os festivais de Cannes, Veneza ou Berlim, costumam privilegiar dramas, de preferência sobre assuntos relevantes, e muito raramente aceitam comédias na competição pelo prêmio principal.
A exceção está, justamente, nesse tipo de comédia sarcástica. Um exemplo é o cinema do sueco Ruben Östlund, que escalou muito rapidamente a pirâmide de prestígio dos festivais e conseguiu nada menos que duas Palmas de Ouro em Cannes com obras desse gênero: “The Square – A Arte da Discórdia” (2017) e “Triangle of Sadness” (2022).
Trata-se de uma forma de trabalhar a comédia com recursos relativamente fáceis. Elegem-se alguns grupos sociais que oferecem farto material para a ridicularização, criam-se personagens que concentram as características mais criticáveis desse grupo, e a “graça” vem, quase que “naturalmente”.
Mas nessa forma de organização narrativa, o que se perde é justamente a capacidade de se observar de forma mais incisiva o meio em que esses personagens estão inseridos.
No caso de “Concorrência Oficial”, essa escolha segura de um certo alvo é ainda mais “fácil”, na medida em que o filme se concentra nos ensaios e deixa para rápidos minutos finais o ambiente dos grandes festivais de cinema. Ao contrário do que pode sugerir o título oficial, portanto, o filme se exime de incluir os próprios festivais (dos quais participam) como alvos prioritários de seu sarcasmo.