Domingo, 22 de dezembro de 2024
Por Redação O Sul | 25 de novembro de 2022
O infectologista Luke Snell, médico dos hospitais Guy’s e St Thomas’, ligados ao Serviço de Saúde do Reino Unido, acompanhou ao longo de 411 dias um paciente que não conseguia se livrar da covid. O homem de 59 anos — agora recuperado — viveu a situação delicada por uma questão prévia de saúde: anteriormente, passou por um transplante no rim. Trata-se de um procedimento que necessariamente requer o enfraquecimento do sistema de defesa do corpo, para evitar rejeições.
“Esse paciente, em específico, teve uma doença bastante moderada. Tão contida que muitas pessoas nem notariam que estariam com covid. Era algo como um nariz escorrendo, poderia ser qualquer coisa, mas era o coronavírus”, diz Snell.
O caso chama atenção porque, em geral, os quadros de covid têm fim em prazo curto, algo próximo a duas semanas, e exemplos de persistência são pouco conhecidos — sobretudo em uma duração tão prolongada. Um estudo brasileiro, realizado por pesquisadores da Plataforma Científica Pasteur-USP apontou que apenas 8% dos infectados podem apresentar a doença no organismo por mais de dois meses.
No caso do paciente no Reino Unido, a doença foi identificada inicialmente em dezembro de 2020. Ele manteve-se positivado para o vírus até janeiro de 2022 — quando foi submetido ao tratamento com o coquetel de anticorpos monoclonais (feitos em laboratório) da empresa Regeneron, o mesmo usado pelo ex-presidente dos Estados Unidos Donald Trump. E que agora está em desuso por perder potência diante das novas variantes.
“É delicado tratar uma pessoa que passa tanto tempo com covid. É difícil pedir para alguém ficar em casa, isolado, por 411 dias. Em geral orientamos que essas pessoas usem máscaras, lavem as mãos e adotem outras medidas de prevenção à doença”, diz o infectologista.
O especialista explica que quadros como esse dizem respeito mais ao paciente em questão do que à variante em circulação. Trata-se, portanto, de uma dificuldade do sistema imunológico daquele indivíduo em combater a doença. Embora não seja um quadro comum, é possível que esse tipo de comportamento da doença seja mais prevalente do que se imagina, acredita Snell.
O caso do homem transplantado é o mais longo em que o paciente sobreviveu à infecção, acredita o médico. A doença foi causada por uma variante anterior à Alfa, que se disseminou no Reino Unido em 2020. Também em um grupo de estudos do qual o especialista faz parte, foi identificado outro caso de covid de longuíssima duração: o paciente conviveu com a doença por 505 dias, mas morreu em 2021.
Estudo no Brasil
Há ao menos um caso persistente de covid estudado no Brasil. Trata-se de um paciente que totalizou 232 dias de infecção. Ele também tem diagnóstico positivo para o vírus HIV — mas estava com os exames e medicações em dia. O quadro foi estudado por pesquisadores da Pasteur-USP.
“Acompanhamos pacientes ao longo de toda a primeira onda de Covid-19. Identificamos que por volta de 8% tiveram um comportamento atípico (prolongado) da doença. Depois que publicamos esse material, recebemos mensagens de diversas pessoas que relatavam estar positivos (por muito tempo). Esses pacientes tinham problemas imunológicos”, diz Marielton Cunha, virologista e um dos autores do estudo.
Salmo Raskin, geneticista e diretor do Laboratório Genetika, em Curitiba, explicou que, embora raros, casos do tipo são de extrema importância para acompanhamento. Justamente por acreditar que possam ser atalhos para o aparecimento de variantes mais potentes, como a Ômicron, cuja transmissibilidade causou picos da doença.
“São ocorrências raras. Em geral, ou a pessoa mata o vírus ou o vírus mata a pessoa. Com falhas na defesa imunológica, não se consegue combater o vírus, que assim é capaz de alterar seu código genético. É como se fizesse dentro do corpo o que faz no ar, em termos de mutações”, diz Raskin. Para ele, a principal hipótese para explicar a Ômicron é um caso desses, pois “a linhagem não é derivada das anteriores Alfa, Delta, Gama e Beta. Convém monitorar esses casos”.