Quinta-feira, 26 de dezembro de 2024
Por Redação O Sul | 8 de janeiro de 2023
Móveis e tapetes de uma casa podem expor o estilo e o temperamento de uma família. No caso de uma residência oficial de um presidente, as peças podem escancarar também o exercício do poder. É em tempo de mudança e reforma que o Palácio da Alvorada, inaugurado em 1958, antes mesmo de Brasília, chega a mostrar repetições de discursos, estratégias políticas e mesmo o descaso com o patrimônio histórico.
Na semana anterior, a primeira-dama Rosângela da Silva, a Janja, aproveitou sua primeira entrevista após a posse do presidente Luiz Inácio Lula da Silva para avaliar que o Alvorada precisa de reforma antes da mudança dela e do marido. Janja percorreu a área pública e até os quartos da residência para mostrar infiltração no teto, problema na mesa, tapete rasgado e móveis de loja popular no lugar de peças assinadas por designers do modernismo. Foi uma estocada atrás da outra nos antigos inquilinos.
Não foi a primeira vez que o descaso ao patrimônio histórico, quase um costume nacional, virou discurso político.
Construído numa ponta margeada pelas águas do Paranoá, lago artificial formado nos anos 1960, o Alvorada começou a apresentar problemas estruturais no governo Fernando Henrique Cardoso. O Banco do Brasil chegou a elaborar um projeto de reforma no prédio, mas a obra nunca saiu. À época, a mulher do presidente, a antropóloga Ruth Cardoso, pouco afeita à imagem clássica da primeira-dama, evitou festas na residência ou mudanças bruscas. A biblioteca do palácio, onde Fernando Henrique recebia ministros, empresários e parlamentares, tornou-se o ambiente mais conhecido da residência.
O jardim do Alvorada virou assunto nacional quando a primeira-dama Marisa Letícia, mulher do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, mandou fazer, em 2004, um canteiro em forma de estrela de sálvias vermelhas no jardim. A oposição acusou o casal de adotar um símbolo partidário num prédio público – outro idêntico foi feito na Granja do Torto.
Em outubro de 2004, Lula e Marisa receberam o idealizador do Alvorada para um almoço na residência. O arquiteto Oscar Niemeyer deu aval para uma reforma ampla. O palácio enfrentava problemas hidráulicos e elétricos e boa parte da decoração original tinha sido descaracterizada.
Aí entrou em cena Maria Letícia. Nenhuma outra primeira-dama, nem mesmo Marly Sarney, conhecida pelo estilo “dona de casa”, havia se empenhado tanto para melhorar as condições da residência. Sem caixa para uma mudança ampla, Lula chamou então, um grupo de empresários da construção civil e pediu que bancassem o projeto. Foi uma verdadeira parceria-público-privada para garantir conforto à família presidencial e reformar o patrimônio histórico.
Ao longo de um ano e seis meses, o casal Lula e Marisa teve que morar na Granja do Torto, uma residência de campo a alguns quilômetros do centro de Brasília, sem o requinte e as obras de arte do Alvorada. Marisa fez questão de chamar a imprensa para mostrar uma imagem barroca de madeira que foi colocada sob sol e chuva no jardim. Discreta e sempre atuante nos bastidores, Marisa puxou para si a imagem pública de uma primeira-dama preocupada com a memória brasileira.
Durante um ano e seis meses, a primeira-dama Marisa Letícia comandou mudanças hidráulicas, elétricas e na decoração da residência oficial. Técnicos do Instituto do Patrimônio Histórico Nacional (Ipham) recuperaram imagens sacras do barroco que estavam no depósito e até no jardim do palácio. O piso de madeira nobre foi substituído. A obra foi orçada em R$ 16 milhões. Houve muitas críticas aos gastos.
No segundo mandato, Lula resolveu revitalizar a piscina da residência. O lugar não havia passado por reforma nem mesmo no tempo em que Fernando Henrique, todas as manhãs, nadava ali. Mais tarde, em 2018, uma investigação da Polícia Federal apontou que troca do granito do fundo da piscina teria sido feita pela construtora Odebrecht, sem contrato e publicidade. A obra era para a melhoria de um bem público, mas as gravações trouxeram dor de cabeça para o ex-presidente por mostrar que ele era tratado como “amigo” do presidente da empresa.