Terça-feira, 26 de novembro de 2024
Por Redação O Sul | 23 de janeiro de 2023
Um estudo publicado nesta segunda-feira (23) por dois geólogos chineses ajuda a elucidar o enigma de como o núcleo rochoso da Terra flutua dentro do núcleo externo líquido, rotacionando de forma independente daquela da crosta do planeta. O núcleo rochoso altamente metálico, impulsionado pelo campo magnético terrestre, vinha girando ligeiramente mais rápido que a superfície terrestre no sentido horário visto do polo Sul, mas o estudo dos cientistas mostra que esse desalinhamento cessou recentemente e deve em breve se reiniciar, mas no sentido contrário.
Para estudar a rotação do núcleo interno, que é invisível para instrumentos geológicos comuns, os cientistas Xiaodong Song e Yi Yang, da Universidade de Pequim, analisaram múltiplas ocorrências de terremotos “dupletos”: duplas de abalos sísmicos que têm uma origem comum. Eles ocorrem quando a onda de choque de um tremor viaja pelo centro da Terra até ser detectada em outro lugar, com padrão de vibração quase igual.
Observando as diferenças entre esses pares de terremotos, é possível calcular a influência do núcleo interno do planeta em sua ocorrência, e assim inferir sua rotação. A pesquisa divulgada agora, detalhada em artigo dos cientistas na revista Nature Geoscience, traz a série de medições mais longa e mais precisa desse fenômeno, com resultados que surpreenderam os cientistas.
“Nós analisamos dados desde o início dos anos 1990 e mostramos que as ondas sísmicas com rotas que antes apresentavam diferenças de tempo anteriormente, agora pararam de apresentá-las na última década”, escrevem Song e Yang. “Esse padrão consistente em todo o mundo sugere que a rotação do núcleo interno pausou recentemente.”
Segundo os cientistas, a rotação do núcleo interno segue um padrão diferente do da superfície porque é regido por duas forças. Enquanto o campo magnético incentiva uma rotação contrária ao sentido de rotação geral do planeta, a força da gravidade da massa de toda a Terra impulsiona o núcleo interno no outro sentido. O desalinhamento da rotação ocorre por causa de diferenças na intensidade e direção desses dois fatores.
Apesar de ser um acontecimento grandioso para os geólogos, a reversão de rotação do núcleo interno é numa escala pequena em termos astronômicos, de menos de 1° por ano, e não afeta muito a vida na superfície. Pelos cálculos dos dados históricos dos cientistas, uma reversão relativamente recente pode ter ocorrido sem que cientistas pudessem medi-la.
Os indícios de que ela ocorreu, porém, estão em dados históricos de sismógrafos em alguns cantos do mundo.
“Nós comparamos esse padrão recentemente observado com registros sísmicos de tremores dupletos no Alasca e das Ilhas Sandwich (no Atlântico Sul) obtidos desde 1964, e ele parece estar relacionado com uma gradual reversão do núcleo interno que seria parte de uma oscilação de cerca de 70 anos”, escrevem os cientistas.
Esse período, afirmam os pesquisadores, não é fixo, e a última reversão parece ter ocorrido no início dos anos 1970. O grau de certeza sobre a estimativa não é alto, porém, porque nessa época as medições dos tremores eram menos menos frequentes e menos precisas.
Conexão climática
O modelo teórico que os chineses apresentam agora não tem efeito prático em relação à maneira com que geólogos lidam com terremotos ou com o magnetismo terrestre, mas deve ajudar a refinar as teorias que explicam como a Terra se altera ao longo das eras.
Não está claro se a oscilação tem relação, por exemplo, com a reversão do campo magnético terrestre, quando polo Sul e polo Norte se invertem, a cerca de cada 500 mil anos. O ciclo de cerca de 70 anos, porém, pode ajuda a explicar com mais precisão outros fenômenos geofísicos, como oscilações microscópicas na duração do dia e no campo magnético do planeta.
“É interessante notar que uma periodicidade semelhante de múltiplas décadas é observada no sistema climático da Terra, especialmente com relação à temperatura terrestre e à elevação do nível do mar”, afirmam.
Essas alterações são pequenas quando comparadas à gravidade do aquecimento global gerado pelo aumento do CO2 hoje, mas permitem compreender melhor o funcionamento do planeta em uma escala de tempo maior.
“A periodicidade multidecadal do sistema climático talvez tenha origem em oscilações da relação entre o manto e o núcleo”, concluem os pesquisadores.