Sábado, 16 de novembro de 2024
Por Redação O Sul | 31 de janeiro de 2023
A população mundial está em constante crescimento. A Organização das Nações Unidas (ONU) estima que teremos cerca de 10 bilhões de pessoas no planeta em 2050. O problema é que a produção de alimentos nos modelos que temos hoje, em especial aqueles de origem animal, não aumenta na mesma proporção. E, mesmo que isso fosse possível, seria ambientalmente insustentável.
A solução é encontrar as chamadas “fontes alternativas de proteínas” e é aqui que entra a opção inovadora de proteínas de animais feitas em laboratório. Isso pode parecer coisa do futuro, mas a verdade é que essas inovações estão cada vez mais próximas de fazerem parte do prato dos brasileiros.
“É uma alternativa para fornecer comida para o mundo. No longo prazo, pode faltar alimento porque a população está crescendo muito e a produção na o acompanha essa escala. Essas alternativas podem ajudar nesse gap”, diz a nutricionista Priscila Primi, mestre pela Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (USP).
Como funciona
O processo de produção começa com a retirada de uma amostra do tecido do animal, em um processo semelhante ao de uma biópsia humana. A boa notícia é que isso só precisa ser feito uma vez. Depois, é possível guardar esse material em um banco de células e replicá-lo.
A partir dessa amostra, as células são isoladas e colocadas em um biorreator, equipamento semelhante a um fermentador da indústria da cerveja. Lá dentro são simuladas as condições fisiológicas presentes no corpo do animal, inclusive temperatura.
As células também recebem um ‘caldo’ de nutrientes, como açúcares, vitaminas, aminoácidos e proteínas para se proliferar e crescer. Em seguida, ocorre o processo de diferenciação, que é basicamente transformar a célula em gordura, músculo e outras estruturas que compõem a carne de um animal.
A etapa final consiste em colocar essas células em um suporte que vai dar origem ao produto final – hambúrguer, bife ou nuggets, por exemplo – com a textura, a estrutura e o aspecto sensorial da carne convencional. O processo todo leva em torno de 30 a 40 dias.
Sem culpa
Amanda Leitoles, especialista em ciência e tecnologia do GFI Brasil, ONG focada em acelerar a inovação do setor de proteínas alternativas, conta que esteve recentemente em Singapura e pôde provar os nuggets da Good Meat.
“Eles têm duas versões de nuggets aprovados. O primeiro tem sabor idêntico ao do convencional, mas eu não achei a textura assim tão próxima. Já a versão mais recente, eu não saberia diferenciá-la do produto animal convencional. Então foi uma ótima experiência”.
Em 2020, o primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, se tornou o primeiro chefe de estado a experimentar carne cultivada. Durante uma degustação oferecida pelo GFI Israel e pela startup israelense Aleph Farms, conhecida por fazer bifes de células animais, Netanyahu provou – e aprovou – um ribeye cultivado e bioimpresso em 3D.
“É deliciosa e livre de culpa”, avaliou o primeiro-ministro israelense.
Desafios
Apesar do alto investimento e interesse – existem mais de 150 empresas focadas nesse mercado – a agricultura celular ainda precisa enfrentar alguns desafios até estar disponível em larga escala e de forma amplamente acessível. Os principais são: encontrar formas de aumentar rapidamente a produção e reduzir os custos.
Mas a indústria já trabalha nisso. Para fator de comparação, o primeiro hambúrguer produzido em laboratório no mundo, em 2013, custou mais de US$ 300.000 para ser desenvolvido. A Ivy Farm, startup europeia de carne cultivada, diz que poderia produzir um produto similar por menos de US$ 50.
Além disso, há também a questão da regulamentação. De acordo com um levantamento regulatório realizado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) no ano passado, Singapura era o único país no mundo que possuía regulamentação sobre o assunto. A legislação brasileira ainda não contempla esses produtos, mas tanto a Anvisa quando o Ministério da Agricultura e Pecuária (MAPA, responsável por estabelecer padrões de qualidade e regras sobre as boas práticas de fabricação de produtos de origem animal, acompanham o assunto e se preparam para construir uma estrutura regulatória.