Sexta-feira, 22 de novembro de 2024
Por Redação O Sul | 6 de março de 2023
Segundo dados do Programa Alimentar (WFP) há 828 milhões de pessoas que não sabem como vão conseguir a sua próxima refeição
Foto: DivulgaçãoO mundo está passando por uma crise multifatorial, assim observa a diretora executiva do Fórum Econômico Mundial (FEM), Saadia Zahidi, à frágil situação internacional. Uma das faces mais duras desta realidade revela-se através da crise alimentar sem precedentes agravada em consequência das guerras, das crises econômicas e do aumento dos preços dos fertilizantes, entre outros fatores que não dão trégua a uma situação limite. Segundo dados do Programa Alimentar (WFP) há 828 milhões de pessoas que não sabem como vão conseguir a sua próxima refeição, sendo a única opção agir agora para salvar vidas. É por isso que é fundamental avançar em soluções que permitam garantir a segurança alimentar. Trabalhar em prol de um planeta sustentável e justo passou de um objetivo ambicioso a uma necessidade urgente.
Infelizmente, o Brasil não está isento desta realidade. No ano passado, o país regressou ao Mapa da Fome, segundo um relatório da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO). O relatório indica que 61,3 milhões de brasileiros, ou seja, um terço da população do país tem algum tipo de insegurança alimentar. Por sua vez, desse total, 15,4 milhões de brasileiros estão em grave situação de insegurança alimentar. Isso significa que passam fome e ficam um dia ou mais sem comer. O contraditório é que o Brasil obteve uma colheita recorde em 2022, consolidando assim seu posto como um dos maiores produtores e exportadores de alimentos do mundo. É assim que a agroindústria representa mais de 20% do PIB do país.
Nas palavras do vice-diretor e representante regional da FAO, Mario Lubetkin, a América Latina vive em uma “permanente contradição”. Segundo as estimativas, a região poderia produzir alimentos para mais de 1,3 bilhões de pessoas, o que representa o dobro da sua população. Apesar disso, registram-se níveis elevados de fome, insegurança alimentar e subnutrição. Em alguns casos, os números excedem as médias mundiais, uma contradição incompreensível.
Cabe considerar que, até 2050, o mundo deverá produzir 60% de alimentos a mais do que hoje para abastecer a população. Atualmente, 95% dos alimentos consumidos em todo o mundo provêm dos solos, e por isso, a chave para muitos dos desafios dessa produção está na conservação dos solos. Uma utilização responsável e sustentável destes recursos é fundamental. Sobretudo, num contexto marcado por um aumento dos preços dos fertilizantes que afeta especialmente a América Latina, região altamente dependente desses insumos.
Felizmente, perante tais desafios, há cada vez mais iniciativas que apostam em soluções inovadoras orientadas para o cultivo sustentável. É o caso da série de projetos desenvolvidos pelo empresário italiano Gaetano Buglisi que conseguiu revitalizar terras agrícolas abandonadas, desaproveitadas ou simplesmente mal exploradas. Através da adoção de técnicas de agricultura 4.0, Buglisi conseguiu cultivar mais de 1.000 hectares de frutas no sul da Itália, onde o solo estava marcado por um elevado nível de salinidade que impedia o desenvolvimento da maioria dos cultivos e agora crescem variedades de frutas exóticas, como a manga. Projetos como estes, que permitem reavivar o solo e gerar oportunidades à sua volta são fundamentais para o futuro.
O desenvolvimento de soluções inovadoras para reduzir o impacto ambiental e tornar os processos de produção mais sustentáveis é uma tendência crescente na América Latina. Tanto no Chile como na Argentina houve importantes avanços no desenvolvimento de tecnologias aplicadas à agricultura que estão revolucionando a atividade. Este é o caso por exemplo da startup InstaCrops que desenvolveu uma plataforma que funciona como um consultor agrícola “virtual” que permite obter recomendações específicas em tempo real tirando o máximo proveito dos recursos que potencializam os cultivos.
Do outro lado da cordilheira, na Argentina, são cada vez mais as empresas que se concentram em desenvolver soluções inovadoras para o campo através da combinação de tecnologias como a Big Data, IA, IoT, entre outras. A adoção deste tipo de tecnologia é fundamental para otimizar a utilização de recursos como a água, a energia e os fertilizantes. Assim, projetos como esses, focados na inovação e criatividade são fundamentais para gerar economia. Sobretudo no contexto atual do aumento dos preços dos fertilizantes.
O mesmo acontece no Brasil, onde ocorre um grande impulso à agricultura sustentável. Há mais de 50 anos que a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) trabalha para preservar a biodiversidade do país e garantir a sustentabilidade, sobretudo num contexto de crescente demanda. As iniciativas da Embrapa se concentram no desenvolvimento de soluções inovadoras para garantir a sustentabilidade das práticas agrícolas. O objetivo da instituição é incentivar os produtores a combater a erosão dos solos e a sua recuperação.
Apesar dos numerosos projetos em torno da região, a verdade é que a adoção de tecnologias para a produtividade não está generalizada em toda a América Latina e ainda há um longo caminho a percorrer. Tal como salientam os peritos, se a região se pusesse na vanguarda e priorizasse o cuidado dos solos, a agricultura latino-americana dependeria menos da produção de fertilizantes da Ucrânia ou da Rússia, e, portanto, seria menos afetada pelo conflito derivado da invasão russa. Desse modo, a chave está em deixar de lado os interesses individuais e cooperar para tirar o máximo proveito das oportunidades que representam as novas tecnologias. A inovação, a agilidade e a criatividade serão fundamentais para fazer frente às urgências cada vez mais graves que a região enfrenta.