Terça-feira, 26 de novembro de 2024
Por Redação O Sul | 3 de abril de 2023
O Congresso deflagrou uma manobra para driblar o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, aumentar as chamadas emendas Pix e diminuir o orçamento dos ministérios. A operação põe o dinheiro direto no caixa das prefeituras, sem interferência dos ministros, e pode chegar a R$ 10 bilhões somente neste ano.
Com a emenda Pix, o prefeito recebe os repasses antes mesmo de qualquer compromisso e faz o que quer com o montante. Na prática, são os gestores municipais que pressionam os congressistas a direcionar cada vez mais verba a essa modalidade, nebulosa para quem fiscaliza os recursos públicos.
O município não é obrigado a informar em que vai aplicar os valores nem para onde foram os recursos depois de gastos. É diferente do que ocorre com outros tipos de emendas, só enviadas quando as obras são efetivamente entregues. Além disso, passam por exigência de programas, atestados técnicos, licenças ambientais e pente-fino dos órgãos de controle.
A articulação do Congresso pode retirar dinheiro da assistência social, do combate às drogas, do tapa-buraco de rodovias e de bolsas de pesquisa em universidades, por exemplo. São recursos que já foram indicados pelos parlamentares e estavam na programação dos ministérios. De acordo com o Estadão, as áreas passíveis de perder mais verba para as emendas Pix são assistência social e educação, com R$ 565 milhões e R$ 518 milhões sob risco, respectivamente.
Na semana passada, cerca de 3 mil mandatários municipais estiveram em Brasília para participar da Marcha dos Prefeitos e aproveitaram a estadia para fazer um périplo pelos gabinetes de deputados e senadores, em busca de dinheiro. Pediram prioridade às emendas Pix, pois, com esse sistema, o recurso chega mais rápido e não há obstáculos em órgãos de controle, como o Tribunal de Contas da União (TCU), que fiscaliza as transferências federais, e nem na Caixa, que cobra taxas pelo monitoramento das obras.
“Os prefeitos, coitados, estão quase que rejeitando as verbas (se não forem emendas Pix) porque demoram e eles não conseguem executar as obras”, afirmou o deputado Hercílio Coelho Diniz (MDBMG), que indicou R$ 8 milhões na modalidade direta para municípios de Minas Gerais.
Prefeitos e congressistas defendem o uso da emenda Pix porque o repasse é mais rápido e sem burocracia, mas especialistas apontam falta de transparência e de fiscalização, o que abre margem para desvios. O dinheiro já foi usado para bancar shows de artistas sertanejos em cidades que não ofereciam nem mesmo serviços básicos para a população. A verba também irrigou a realização de festas no carnaval deste ano.
Com a emenda, o recurso fica desvinculado de qualquer política pública, como a erradicação da pobreza e a alfabetização de crianças, metas vinculadas a programas do governo. “Se você abre mão dos principais instrumentos de planejamento estratégico, você passa a pensar política pública de forma desarticulada. Não parece isonômico nem democrático”, disse o cientista político Vítor Sandes, professor da Universidade Federal do Piauí (UFPI).
Turbinado
A emenda Pix foi criada em 2019 e passou a ser paga no ano seguinte. Em quatro anos, caiu nas graças de deputados e senadores. Tecnicamente, o repasse é chamado de “transferência especial”. Em 2020, esse tipo de emenda somou R$ 621 milhões e atendeu 137 parlamentares. Para 2023, o valor aprovado pelo Congresso saltou para R$ 6,7 bilhões, turbinado pela Proposta de Emenda à Constituição da Transição. Neste ano, 507 congressistas (85% do total) já indicaram repasses nessa modalidade.
Em troca da PEC da Transição, o governo Lula e o Legislativo negociaram o aumento das verbas de maior interesse. As emendas Pix pularam de R$ 3,8 bilhões para R$ 6,7 bilhões. Agora, podem subir ainda mais. O governo abriu um prazo, até o próximo dia 13, para que deputados e senadores alterem as emendas que serão repassadas neste ano. Eles podem tirar o dinheiro vinculado aos ministérios e repassá-lo para a modalidade especial. Só não podem mexer nos valores destinados à Saúde.
Há cobrança para que o governo Lula desembolse os valores rapidamente. O Planalto já se comprometeu a pagar R$ 1,7 bilhão em emenda Pix que virou “dívida” do ex-presidente Jair Bolsonaro, mas ainda não apresentou um cronograma das indicações de 2023.
Em busca de um novo arcabouço fiscal e de mais espaço para investimentos, o governo expõe preocupações com a emenda Pix, que tira do Executivo o poder de escolher para onde enviar o dinheiro. A Secretaria de Relações Institucionais informou que vai incentivar a apresentação de projetos para uso dos recursos, mesmo que a emenda não tenha finalidade definida.
Sob comando do ministro Alexandre Padilha, a SRI editou uma portaria determinando que o município informe a política pública na qual o dinheiro será gasto e prometeu “ampla transparência”. A regra, no entanto, não muda a essência desse tipo de transferência, ou seja, algo totalmente fora do controle do governo.