Sexta-feira, 10 de janeiro de 2025
Por Redação O Sul | 2 de maio de 2023
O monarca vive um outro dilema, entre ser ou não ser opinativo, rompendo uma tradição da coroa.
Foto: Reprodução“Ser ou não ser? Eis a questão.” Foi com a pergunta existencial de Hamlet, de William Shakespeare, que o então príncipe Charles subiu ao palco no Royal Shakespeare Company em 2016 para surpresa da plateia e do elenco estelar, como Judy Dench, Ian McKellen e Benedict Cumberbatch, escalado para dar diferentes interpretações à frase naquela noite. Era aniversário de 400 anos do bardo, e o futuro rei – que não se destaca pelo carisma nem pela atuação – arrancou efusivos aplausos. Agora que chegou ao trono, com coroação marcada para sábado, o monarca vive um outro dilema, entre ser ou não ser opinativo, rompendo uma tradição da coroa.
Desde que seu antepassado Charles I perdeu a cabeça em 1649 – literalmente – depois da Guerra Civil Inglesa entre monarquistas e parlamentaristas, o papel constitucional dos soberanos foi gradualmente limitado a representar a nação e afastar-se da política. Isso ficou ainda mais claro na crise que desencadeou a abdicação de Eduardo VIII, quando o Parlamento não deu ao rei autorização para casar-se com a americana divorciada Wallis Simpson e manter-se no trono. Mas a capacidade de Charles de conter suas posições políticas sempre foi motivo de preocupação, desde antes de ascender ao trono. O que se dizia era que, chegada a hora, saberia cumprir o papel que lhe cabe na monarquia constitucional. Após a morte da mãe, a rainha Elizabeth II, Charles reconheceu que “já não seria possível dispensar tanto tempo e energia com instituições de caridade e assuntos pelos quais tenho tanto apreço”. Não foi o que pareceu já em sua primeira viagem ao exterior como rei.
De saúde à guerra
Em visita à Alemanha, falou da necessidade vital de se cortarem as emissões de carbono, defendeu a transição energética para renováveis, enalteceu a “extraordinária generosidade” alemã em receber refugiados ucranianos (o Reino Unido é um dos países europeus que receberam menos pessoas daquela nação desde o início da guerra), apontou o dedo para a Rússia de Vladimir Putin e ainda sinalizou esforços para tentar remendar a desgastada relação entre o Reino Unido e a Alemanha desde o Brexit. O discurso foi feito em alemão, um dos quatro idiomas que fala (além do inglês, ainda domina o francês e o galês). Em fevereiro, recebeu no palácio o presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelensky.
Se pouco se sabe sobre o que Elizabeth II pensava sobre os mais variados assuntos, com Charles III é diferente. Nos últimos anos, opinou sempre que pôde em questões ambientais, um de seus temas favoritos. Na abertura da COP26 em Glasgow, na Escócia, disse que era preciso uma “estratégia de guerra para enfrentar a ameaça existencial da mudança do clima e perda da biodiversidade”. Ele já defendeu com afinco medicamentos homeopáticos no sistema de saúde público nacional e melhores equipamentos para os soldados britânicos no Iraque. Em 2015, após anos de batalha na Justiça, o jornal The Guardian ganhou o direito de revelar o conteúdo de 27 cartas de próprio punho que o então príncipe herdeiro endereçara a integrantes do governo para, ao que tudo indica, tentar interferir em suas decisões. O caso ganhou o apelido de “arquivos aranha negra” por causa da caligrafia peculiar do novo rei.