Segunda-feira, 18 de novembro de 2024
Por Tito Guarniere | 20 de maio de 2023
Esta coluna reflete a opinião de quem a assina e não do Jornal O Sul. O Jornal O Sul adota os princípios editorias de pluralismo, apartidarismo, jornalismo crítico e independência.
A mentira, a dissimulação nasceu com o homem. Já na gênese bíblica o ser humano tentava enganar até o Criador. Se é assim desde os primórdios, se atravessou os séculos até aqui, não seria agora que iríamos abrir mão do impulso irresistível.
Então, não há porque ficar espantado diante das guerras narrativas e das teorias conspiratórias. Mas mesmo para enfatizar certas versões e inventar tramas sinuosas é preciso ter algum escrúpulo. Não dá para exagerar e levar a fantasia longe demais, sob pena de fazê-las ainda mais duvidosas, implausíveis, surreais.
É o caso do cientista político – essa espécie tantas vezes extravagante, e que ao contrário de estar em extinção, é cada vez mais numerosa – Fernando Limongi, que carrega nas tintas para explicar o impeachment de Dilma. Segundo ele, mais do que um golpe, que é tese original e antiga, foi uma improvável conspiração dos políticos que estavam sob a suspeita de falcatruas, para o fim de inculpar Dilma e o PT, e dessa forma se livrarem das investigações do Ministério Público e da Justiça.
Dilma e o PT foram as cargas lançadas ao mar para salvar o navio e proteger o mundo político restante da Operação Lava Jato e outros procedimentos semelhantes em curso no país. “O impeachment foi uma investida de tolos que acabou prejudicando a todos. Quem está pagando a conta somos nós”.
Na conta de Limongi, Dilma e o PT foram o boi das piranhas. Trata-se de uma teoria da conspiração metida a besta, com ares de estudo acadêmico, assinada por um “cientista político”. Trata-se de um esforço a mais, no âmbito do PT ou de um notório simpatizante, de encorpar a teoria do golpe do afastamento de Dilma.
Foi um “golpe” asséptico, sem derramamento de sangue, e sem que nenhuma das suas vítimas, nem mesmo a principal, Dilma, tenha amargado um só dia na cadeia ou no exílio. Um golpe sem tanque nas ruas. Um golpe onde todos os procedimentos foram feitos à luz do dia, com o conhecimento pleno da nação, com o atendimento rigoroso de todas as formalidades previstas na lei, com o apoio de mais de três quintos da Câmara dos Deputados e do Senado federal, com a chancela, a cada passo até o final, do Poder Judiciário brasileiro.
Pode-se achar que a decisão final e o impeachment foi uma pena demasiada rigorosa para as modestas transgressões da lei da então presidenta. Menos rigorosas ainda foram as razões do impeachment de Collor – neste, o PT estava à frente, com as posições mais estridentes. E ainda menores eram os fundamentos do pretendido impeachment de FHC, nos idos de 90, que não houve, mas não pela vontade do PT. Quem não se lembra do “fora FHC”?
Agora, no terceiro governo de Lula, o “golpe” continua na ordem do dia, nos pronunciamentos de Lula. O presidente tem uma razão para insistir na falácia: apagar da memória nacional que foi ele, sozinho, que impôs ao PT a candidatura de Dilma, uma governante honesta, mas inábil, desqualificada política e administrativamente – responsável maior pela calamidade que foi o seu governo e razão final e verdadeira do seu afastamento.
Esta coluna reflete a opinião de quem a assina e não do Jornal O Sul.
O Jornal O Sul adota os princípios editorias de pluralismo, apartidarismo, jornalismo crítico e independência.