Quarta-feira, 27 de novembro de 2024
Por Redação O Sul | 19 de junho de 2023
O Brasil consolidou um acordo sigiloso de exportação de produtos e tecnologias para a Arábia Saudita construir a sua primeira fábrica própria de explosivos militares. As plantas foram criadas por uma empresa brasileira sob demanda da ditadura saudita que pretende, até 2030, “suprir toda a demanda militar” do país por explosivos e espoletas de detonação de bombas, itens que podem ser úteis em guerras e conflitos no Oriente Médio.
A autorização para a venda de equipamentos e serviços ao regime de Mohammed bin Salman foi concedida ainda no segundo semestre de 2018, na reta final da gestão de Michel Temer, porém as principais etapas da construção se desenvolveram sob o governo Jair Bolsonaro, entre 2019 e 2022. Em paralelo, ele aumentou autorizações para exportação de tecnologia militar aos sauditas. Negócios da indústria privada de defesa com outros países precisam do aval de três ministérios: Defesa, Ciência e Itamaraty.
Dados inéditos obtidos pelo jornal O Estado de S. Paulo mostram que o interesse das companhias brasileiras pela Arábia Saudita despertou no governo Temer e cresceu nos anos Bolsonaro. Entre 2017 e 2018 foram dez pedidos, sendo oito autorizados. Em 2019, 2020 e 2021 foram 21 pedidos de empresas à gestão Bolsonaro, dos quais 17 foram deferidos. Eram contratos para vendas de armas, blindados, bombas e serviços, por exemplo. Em 2015 e 2016 não houve solicitações.
A construção da fábrica de explosivos militares com mão de obra e tecnologia brasileiras está dentro de um conjunto de investidas militares do reino saudita. Mais recentemente, a Arábia Saudita ergueu um complexo para produção de mísseis balísticos em um movimento que ligou o alerta de potências mundiais por conta dos riscos de instabilidade no Oriente Médio.
A empresa que pediu e recebeu autorização do governo brasileiro para fechar o contrato com os sauditas é a Mac Jee, com sede em São José dos Campos (SP). A estrutura montada na Arábia Saudita tem cerca de 500 mil metros quadrados e fica dentro da Saudi Chemical Company Limited (SCCL), maior companhia de produção de energia civil e militar daquele país.
A fábrica produz TNT e RDX, componentes usados para determinados tipos de bombas. Todo o processo de autorização e de contratação é protegido por sigilo. Procurados, os ministérios que lidam com o tema informaram que não poderiam comentar motivações ou condições do acordo da Mac Jee. O valor do contrato também é desconhecido.
Fontes ligadas ao projeto afirmaram ao jornal O Estado de S. Paulo, sob a condição de não terem os nomes revelados, reconhecer que a Mac Jee subiu de patamar no mercado ao ser contratada para o serviço. Ao passar a fazer negócios com o regime, a empresa adotou em suas dependências até salas de oração para acolher clientes muçulmanos. Por outro lado, dizem que plantas de TNT e RDX têm tecnologias dominadas pelo Brasil e consideradas pouco sofisticadas, se comparadas com a gama de ofertas da indústria militar mundial.
A empresa era comandada pelo francês radicado Brasil Simon Jeannot. Em uma entrevista ao site Defesa Aérea e Naval em 2020, ele disse que a diplomacia é determinante para os seus negócios. “A venda de sistemas de defesa é, antes de tudo, diplomacia. Antes de ser técnica, antes de ser financeira, é diplomacia”, disse.
Em um fórum de empreendedoras em agosto passado, a atual presidente da Mac Jee, Alessandra Stefani, disse que era preciso “aproveitar o momento” na relação com os sauditas. “No setor de defesa, eles veem o país como amigo e grande parceiro. A indústria de defesa precisa aproveitar esse momento, e a gente está surfando essa onda”, afirmou. Jeannot e Stefani não quiseram dar entrevistas.
No período da construção da fábrica de explosivos e do aval a novos acordos militares com os sauditas, comitivas de Bolsonaro e do então ministro de Minas e Energia, Bento Albuquerque, foram recebidas em Riade para agendas variadas. Em uma delas, joias avaliadas em R$ 5 milhões que seriam um presente da monarquia árabe foram entregues a Bento, que tentou entrar com elas ilegalmente no Brasil. O caso está sob investigação. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.