Domingo, 17 de novembro de 2024
Por Edson Bündchen | 29 de junho de 2023
Esta coluna reflete a opinião de quem a assina e não do Jornal O Sul. O Jornal O Sul adota os princípios editorias de pluralismo, apartidarismo, jornalismo crítico e independência.
Modelos e esquemas que facilitem a compreensão da realidade e sejam capazes de encaminhar soluções são sempre bem-vindos, especialmente diante da nossa crônica dificuldade em adotar reformas estruturantes. A “Janela de Overton”, criada em homenagem ao seu mentor original, Joseph P. Overton, é uma dessas ferramentas. A ideia central da “Janela de Overton” é que, em qualquer sociedade, existem certos limites para as políticas que podem ser adotadas ou consideradas legítimas. Esses limites são definidos pelas opiniões e crenças predominantes na sociedade em um determinado momento, com a janela representando o intervalo de políticas que estão dentro desses limites e que são consideradas politicamente aceitáveis ou não. Ela pode ser influenciada por uma série de fatores, como eventos políticos, mudanças culturais, mobilização social e o trabalho de grupos de pressão e está hoje fortemente impactada pela fragmentação da atenção das pessoas, notadamente pelo advento da revolução das mídias sociais. Ideias que antes eram consideradas radicais podem se tornar progressivamente mais aceitáveis, à medida que a sociedade muda suas visões e normas, mas esse processo não é simples, tampouco célere.
Dentre os vários grandes temas de interesse nacional que atualmente oscilam entre a maturidade para o debate e a completa impossibilidade de avanço, a reforma tributária talvez seja “a bola da vez”, muito embora temas como as reformas da educação e do Estado também requeiram idêntica urgência. Após anos de debates entre os formadores de opinião e especialistas na área, surge agora uma possibilidade real de haver uma reforma que consiga simplificar o nosso caótico sistema tributário, impondo-lhe maior nível de racionalidade e equilíbrio, sem, contudo, comprometer a capacidade fiscal do País. Entretanto, a mesma lógica de abertura ao debate promovida pela “Janela de Overton”, carrega também vícios que impediram avanços até aqui, dentre os quais talvez o mais relevante seja a cristalização de interesses setoriais firmemente ancorados em certas regalias e que podem impedir que uma maior justiça tributária seja conquistada. Assim, não são desprezíveis, a julgar pela quantidade de emendas propostas ao projeto, que mais uma vez tenhamos uma reforma pela metade, um arremedo de mudança que mantenha os atuais privilégios de alguns setores, particularmente aqueles vinculados à elite econômica e financeira, historicamente beneficiados por um modelo que sustenta umas das cargas tributárias mais altas do mundo e que recai fortemente sobre a classe mais pobre da população.
De fato, ao explicitar, de uma forma mais esquemática, as dificuldades que temas sensíveis encontram ao serem lançados na arena pública, a exemplo da reforma tributária, torna-se imperioso reconhecer, preliminarmente, a natureza original dos obstáculos que o Brasil enfrenta quando se depara com questões que mexem com a reconhecida relação de exploração de nossa população mais miserável pela elite do capital econômico. No fundo, esse é o maior entrave para as reformas que o País precisa para avançar, uma vez que o debate público, para ser orgânico e democrático, não deveria estar refém de interesses paroquiais, mas de um sentido inclusivo e de combate a toda a forma de privilégios, especialmente aqueles incrustados à sociedade ao longo do tempo.
Essa realidade precisa ser bem compreendida e situada para que os temas tratados sejam colocados na perspectiva correta. Do contrário, antes de reformas, poderemos ter não apenas poucos avanços, mas retrocessos, impedindo que um novo e mais justo arcabouço tributário seja construído. Mesmo entendendo ser o Congresso reflexo das virtudes e mazelas nacionais, não é muito esperar que uma reforma tributária efetiva encare o imprescindível encontro com a justiça tributária, não somente desonerando quem ganha menos, mas ampliando a carga tributária para os setores mais abastados, particularmente aqueles historicamente privilegiados.
Esta coluna reflete a opinião de quem a assina e não do Jornal O Sul.
O Jornal O Sul adota os princípios editorias de pluralismo, apartidarismo, jornalismo crítico e independência.