Terça-feira, 26 de novembro de 2024
Por Redação O Sul | 18 de julho de 2023
O dono da empresa de segurança espanhola UC Global, SL, David Morales, supostamente espionou para a CIA, o serviço secreto dos Estados Unidos, reuniões que o ex-presidente equatoriano Rafael Correa (2007-2017) teve em 2018 com uma série de antigos mandatários e autoridades da região — entre eles, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e a ex-presidente Dilma Rousseff. As informações vieram à tona após uma análise do computador de Morales, investigado há três anos pelo juiz espanhol Santiago Pedraz.
O MacBook de Morales, confiscado pela polícia após sua prisão em 2019, foi avaliado por peritos nomeados pela defesa de Julian Assange. O dono da firma de segurança é suspeito de ter ordenado a espionagem do fundador da WikiLeaks e encaminhado as informações para a inteligência dos EUA, que buscam a extradição do hacker australiano e podem condená-lo a até 175 anos de prisão.
O nome “CIA” foi encontrado repetidas vezes em um HD externo, junto com relatórios sobre os compromissos de Correa e seus encontros. Imagens íntimas de um diplomata também foram achadas em um cofre na sede da empresa de espionagem — fotografias que o ex-militar espanhol teria usado para tentar chantagear autoridades equatorianas.
Morales havia sido contratado pelo governo de Correa para fazer a segurança da Embaixada do Equador em Londres, onde estava Assange — ele passou sete anos lá, sendo preso em 2019 após Quito suspender a proteção. O ex-militar ordenou que seus funcionários espionassem as reuniões do hacker australiano com seus advogados, mas também passou a monitorar o presidente, em especial após deixar o poder, para transmitir informações a seu sucessor e adversário político, Lenín Moreno.
Trojans (vírus disfarçados de softwares legítimos, que permitem o roubo de dados confidenciais) foram instalados sem autorização nos iPhones 5 das filhas de Correa, Sofía e Anne, quando ele ainda era presidente, em 2014. Pelo sistema, era possível o controle total das mensagens e conversas das jovens, que na época estudavam na França.
Possíveis evidências
Segundo a análise do MacBook, o nome da CIA aparece várias vezes em um HD externo da marca Western Digital, onde arquivava projetos e operações de que a UC Global, SL participava. A nova descoberta dos peritos é uma pasta.
Nela há relatórios dos encontros de Correa (a quem se referia pelo codinome Romeo) com diversos ex-presidentes latino-americanos, segundo documentos. Além de Lula e Dilma, há informações de que líderes como a ex-presidente (e atual vice) da Argentina, Cristina Kirchner, e o ex-presidente uruguaio José Mujica, segundo os documentos a que o El País teve acesso. Venegas Chamorro é Amauri Chamorro Venegas, à época assessor de imprensa de Correa.
A viagem onde as informações foram coletadas ocorreu entre 18 e 24 de março de 2018, quando Correa estava acompanhado de funcionários da UC Global, SL, que faziam sua escolta. O Serviço de Proteção da Presidência, obrigado a fornecer segurança para os ex-mandatários, havia contratado os serviços da firma que já prestava serviços para sua embaixada britânica.
Além dos relatórios sobre a viagem, Morales tinha outros relatos em inglês de encontros de Correa na sua casa em Bruxelas, para onde se mudou após deixar a Presidência. Os laços entre o antigo mandatário e a firma foram rompidos em maio de 2019, quando um guarda-costas confessou a Correa que o ex-militar espanhol havia pedido que redigissem informes sobre suas reuniões e atividades, tanto pessoais quanto políticas.
Em novembro de 2017, Morales redigiu em inglês uma nota chamada Brussels Meetings, ou “Reuniões em Bruxelas”, em que descrevia os encontros que o ex-mandatário tinha em sua casa. O documento também trazia os números de série de um computador e do iPad que pertenciam a Correa.
Indagado pelos advogados de Assange sobre a razão pela qual tais documentos estavam em inglês, o dono da firma de segurança disse que esperava “melhorar o inglês de seus funcionários”. No material confiscado na sede da UC Global, SL há também vídeos do ex-presidente durante reuniões.
Segundo a investigação judicial, as informações coletadas eram entregues a quem tivesse uma oferta mais interessante. Entre outros clientes, por exemplo, estava o governo de Lenín Moreno. Quando o novo Executivo equatoriano cancelou o contrato com a firma, suspendendo suas atividades na Embaixada do Equador em Londres, Morales teria confessado a um funcionário que repassava as informações de Correa a seu rival político.
No MacBook confiscado havia ainda uma pasta do serviço de armazenamento em nuvem Dropbox intitulada “Presidência. Documentos para entregar à Presidência”. Correa abriu um processo contra Morales, que foi admitido pela Justiça espanhola.