Quinta-feira, 26 de dezembro de 2024
Por Redação O Sul | 23 de agosto de 2023
A inteligência artificial (IA) generativa sacudiu o mundo da tecnologia e vem provocando uma corrida entre as startups mundo afora, mas o Brasil não está acompanhando o ritmo.
A disputa é dominada por companhias dos Estados Unidos. O país lidera os investimentos privados na área de IA, com US$ 47,4 bilhões aportados em 2022, e concentra os principais nomes da área, como os conhecidos Google, Microsoft, Meta, Amazon e Apple, além das novatas OpenAI (criadora do ChatGPT), Anthropic, Character.AI, Midjourney e Stability. Em segundo lugar na corrida, está a China, com US$ 13,4 bilhões, de acordo com relatório da Universidade Stanford publicado neste ano.
Paralelamente, outros países buscam maneiras de entrar nessa disputa. Na França, a startup Mistral levantou US$ 113,4 milhões em junho. Já a Alemanha aposta na Nyonic e na Aleph Alpha, ambas em estágio inicial e em busca de investidores.
A situação no Brasil é mais complicada. Embora o País seja o principal polo de tecnologia da América Latina, por aqui ainda não há nenhum grande expoente no setor de inteligência artificial generativa.
Um primeiro sintoma está na falta de capital para bancar esses projetos. Por característica da própria tecnologia (considerada uma “deep tech”, com uso intensivo de tecnologia), a IA generativa exige muita pesquisa, treinamento e teste até ir ao mercado, o que leva tempo e dinheiro.
“No Brasil, os fundos de capital de risco colocam dinheiro onde há o menor risco possível, e não em deep techs”, diz o empreendedor Rodrigo Scotti, presidente do conselho da Associação Brasileira de Inteligência Artificial (Abria), cofundada por ele em 2017.
O professor Anderson Soares, coordenador do Centro de Excelência em Inteligência Artificial da Universidade Federal de Goiás (UFG), concorda que o mercado de venture capital do Brasil não se dedica a deep techs, como a área de IA generativa. “Como o capital de risco no Brasil é escasso, só é possível conseguir investimento para produtos mais finalísticos (próximo do consumo).”
No entanto, com a chegada do ChatGPT investidores de startups estão mais atentos a oportunidades. “Foi bem notório esse efeito pró-IA causado pelo ChatGPT. Isso já está impulsionando nossas startups”, diz o professor.
Scotti, da Abria, espera surfar nessa onda. Também presidente executivo da startup Nama, que ele fundou em 2014, está à procura de investidores para impulsionar o negócio da companhia. A firma utiliza inteligência artificial generativa para criar robôs de bate-papo para empresas, utilizando um modelo amplo de linguagem (LLM, na sigla em inglês) próprio, treinado com dados brasileiros. “Estou há dez anos tentando fazer as pessoas entenderem o que é um LLM. Finalmente, com o ChatGPT, entenderam.”
Para 57% dos empreendedores de startups do País, a escassez de talentos é o maior obstáculo no desenvolvimento da área de IA no Brasil, segundo estudo do Google for Startups publicado em outubro de 2022.
“Periferia”
Outro problema para as startups brasileiras é a competição com grandes companhias nacionais ou estrangeiras, que pagam em dólar ou euro. Para o relatório do Google, isso pode levar o Brasil para uma “periferia tecnológica iminente”. De acordo com o estudo, com mercado escasso, competitivo e no seu auge, a baixa oferta de profissionais leva a propostas “desleais”.
O empresário Christian Rocha, cofundador e presidente executivo da Munai (startup brasileira que aplica IA generativa na área da saúde), relata passar por esse problema e considera a própria companhia como uma “empresa-escola”. “Conseguimos contratar pessoas com alto potencial ao final da graduação e, conforme essa pessoa vai ganhando experiência, ela consegue emprego fora do País”, diz. “Não conseguimos mantê-la.”
Especialistas apontam outro problema comum às startups do Brasil: falta de uma “cultura de dados”. A expressão refere-se à etapa anterior à construção de qualquer inteligência artificial, que exige grandes volumes de informações para funcionar.
“Não é possível desenvolver uma inteligência artificial sem um LLM e, portanto, sem dados”, afirma o engenheiro André Filipe Batista, pesquisador na Universidade de São Paulo (USP) e professor do Insper.
A cientista de dados Bianca Ximenes, especialista em aprendizado de máquina, afirma que é comum esbarrar em executivos do alto escalão que não têm conhecimento sobre como colocar de pé uma IA. “É desestimulante estar em um processo seletivo e ver que as lideranças não sabem o que é ciência de dados nem aprendizado de máquina”, afirma ela, que está de mudança para Paris para trabalhar em uma startup francesa.
Esperança
Apesar dos entraves, o País é considerado um terreno fértil para o mercado de tecnologia. “Dá tempo de sermos relevantes no mercado de IAs generativas”, diz Batista, do Insper. Para ele, uma saída é realizar parcerias com grandes empresas do ramo, como OpenAI e Google. “Podemos usar o que já existe das big techs para alavancar as grandes oportunidades.”