Sábado, 08 de fevereiro de 2025
Por Redação O Sul | 18 de setembro de 2023
A discussão aconteceu em um intervalo de apenas quatro horas. Às 17h54 e 18h09 da última quarta-feira (13), a Câmara dos Deputados aprovou requerimentos de urgência para dois projetos da chamada minirreforma eleitoral — mudanças no Código Eleitoral que flexibilizam regras e, na prática, beneficiam os partidos. A medida permitiu pular etapas e levar a proposta diretamente ao plenário, sem necessidade de passar por comissões da Casa.
Pouco depois das 22h, o texto-base já havia sido analisado e aprovado, com apoio de parlamentares de siglas de esquerda, direita e do Centrão. A redação final do texto, elaborado por um grupo de trabalho comandado por Dani Cunha (União-RJ) e escolhido pelo presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), só veio a público às vésperas de o projeto ser analisado.
Não foi caso isolado. Dois anos após a Casa alterar seu regimento interno e reduzir o poder de obstrução de parlamentares oposicionistas e de siglas menores, a Câmara registra histórico de aprovação de propostas polêmicas a toque de caixa. Segundo o jornal O Globo, houve ao menos outros nove casos de propostas com aval de Lira também criticadas pelas votações aceleradas. Os temas dos projetos vão da proteção à classe política e afrouxamento de regras para nomeações em cargos públicos à pauta ambiental e religiosa.
Na avaliação de cientistas políticos, as propostas atendem principalmente a demandas do Centrão, mas não necessariamente recebem apoio apenas desses parlamentares, como foi no caso da minirreforma eleitoral.
Em junho, a votação do requerimento de urgência para votar o projeto sobre discriminação de políticos já havia unido deputados de legendas em lados opostos no espectro político. Parlamentares contrários ao projeto alertaram que não tiveram acesso à versão mais recente do texto, indisponível no sistema da Casa, e defenderam que não houve tempo para debate. O deputado Chico Alencar (PSOL-RJ) ficou surpreso quando ouviu que o mérito seria votado já:
“Estão com pressa, né?”, ironizou.
A votação-relâmpago foi finalizada mais uma vez tarde da noite. O projeto foi aprovado sem passar por nenhuma comissão temática da Casa.
O deputado federal Kim Kataguiri (União-SP) defende que os colegiados garantem qualidade ao debate. São formados, por exemplo, por parlamentares com mais afinidade com os temas discutidos e contam com audiências para discussão com a sociedade. Ele defende que a urgência deveria ser exceção:
“Não temos mais previsibilidade sobre a pauta. A gente fica sabendo do relatório em cima da hora.”
Em dezembro, o mesmo aconteceu na votação-relâmpago do projeto para alterar a Lei das Estatais. O trecho que reduziu a quarentena de indicados a ocupar cargos de presidente e diretor das empresas públicas só entrou no relatório da ex-deputada Margarete Coelho (PP-PI), aliada de Lira, no dia em que foi votado em regime de urgência.
O método de votações a toque de caixa também ocorreu na aprovação do Marco Temporal, em maio. No governo Bolsonaro, o caso mais relevante foi o da PEC que permitiu turbinar programas sociais em ano eleitoral.
Parte dessas propostas aprovadas às pressas tem ficado parada no Senado. Além da minirreforma eleitoral e do projeto sobre discriminação de políticos, que já receberam a sinalização de Rodrigo Pacheco (PSD-MG) de que terão uma tramitação mais lenta, são os casos da legalização dos jogos e da chamada PEC do veneno, que flexibiliza pesticidas.
Pesquisador do Centro de Estudos Legislativos da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Carlos Ranulfo aponta que Lira diminuiu espaço para obstrução, sob o argumento de agilizar as votações. Uma das mudanças no regimento, feita em 2021, estabelece que, se uma matéria for considerada urgente, os partidos não poderão mais apresentar pedidos de retirada de pauta ou adiamento da discussão. A proposta também acabou com o limite de tempo para uma sessão. Antes, quando uma terminava e outra era aberta em seguida, e a oposição podia apresentar novamente todos os recursos possíveis em plenário para adiar a análise de um texto.
Ranulfo ressalta que esse modelo de tramitação pode eventualmente tanto beneficiar quanto prejudicar o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, a depender da pauta e do clima político. O pesquisador vê paralelo entre a atuação de Lira e a presidência de Eduardo Cunha, entre 2015 e 2016.
“Tal como Cunha, Lira tem bancada própria, com deputados que são fiéis a ele. Cunha deu voz ao baixo clero ao aprovar orçamento impositivo. Lira veio com o orçamento secreto. Nessas movimentações, essas duas lideranças conseguiram amplo respaldo entre lideranças e usam esse poder para controlar a agenda”, aponta Ranulfo. “O governo continua tendo influência na pauta, mas a Câmara se fortaleceu. O Legislativo assume maior capacidade de barganha. Isso é complicado quando ele não está alinhado com o governo.”