Quinta-feira, 26 de dezembro de 2024
Por Redação O Sul | 1 de outubro de 2023
O governo brasileiro quer usar os 30 dias que presidirá o Conselho de Segurança das Nações Unidas, a partir deste domingo, como vitrine para defender sua postulação histórica de se tornar um membro efetivo no colegiado mais importante da ONU. Mas, para isso, terá que enfrentar temas delicados, como a aprovação de uma nova missão de paz no Haiti, os debates sobre a guerra na Ucrânia e as negociações pela paz na Colômbia — tudo isso tentando “vender” sua filosofia de que a prevenção deve ser a tônica do órgão, que tem falhado na resolução de conflitos.
Neste cenário, o Brasil — que em dezembro deixará o conselho ao completar dois anos como membro rotativo do colegiado — estará diante de posturas opostas a de grandes potências, com vaga cativa no órgão, como Estados Unidos, China e Rússia. As diferenças entre as grandes nações com arsenal nuclear e os membros com mandato rotativo é o poder de veto. Nenhuma decisão do órgão é aproada se não houver a concordância dos membros permanentes, e eles estão longe de convergir nos temas mais importantes em debate na ONU.
“Vamos trazer este mês a ideia de que o Conselho de Segurança deveria tratar mais amplamente dos instrumentos que as Nações Unidas, os países e as organizações regionais têm para prevenir os conflitos e não só tratar deles depois que eles ocorrem. Um reforço da diplomacia bilateral, regional e multilateral para prevenir a eclosão de conflitos”, disse o secretário para assuntos políticos do Itamaraty, Carlos Márcio Cosendey.
Além da guerra na Ucrânia, serão discutidos, em outubro, a manutenção da missão da ONU que supervisiona as negociações de paz na Colômbia e o possível envio de missão de apoio às forças de segurança no Haiti. No caso do Haiti, a situação é delicada. De um lado, Estados Unidos lideram uma frente em defesa da chegada de policiais ao país caribenho para treinamento, combate a gangues armadas e proteção de instalações de infraestrutura crítica. China e Rússia são contra este modelo.
Para interlocutores do governo e especialistas ouvidos pelo GLOBO, apesar do pouco tempo, a presidência brasileira é importante em um momento em que o Brasil se tornou um dos maiores críticos do sistema ONU. Com o Brasil liderando a defesa por um conselho mais atuante na prevenção de conflitos por meio de ações de pacíficas, o país trará a questão para o centro do debate de um evento focado em mecanismos regionais, sub-regionais e bilaterais. Promotor deste encontro, o Brasil usará pelo menos dois exemplos de articulações bem sucedidas: o tratado que mostra a América Latina livre de armas nucleares e a cooperação entre Brasil e Argentina para o controle de materiais nucleares.
“O exemplo clássico é a Ucrânia. Quando o presidente Lula falou que Rússia e Ucrânia são responsáveis pela guerras, ele se referia à prevenção de conflito”, afirma Francisco Teixeira, professor de história contemporânea da Universidade Federal do Rio de Janeiro e especialista em assuntos militares.
Para o professor de geopolítica da Escola Superior de Guerra, Ronaldo Carmona, simbolicamente, é importante o Brasil assumir a liderança do Conselho de Segurança. Porém, avalia que o órgão é um instrumento desprovido de poder efetivo no contexto de crise de multilateralismo.
“O Brasil tem que contribuir para a estabilidade e segurança da América do Sul. Em todos os temas que tiverem a ver com nosso entorno geográfico e estratégico, temos que ser atores ativos. A liderança brasileira na América do Sul precisa ser exercida, até em função de nossos fatores geográficos”, afirma.
Sem consenso
Há um consenso de que não há espaço para debater uma reforma do Conselho de Segurança, formado por cinco membros permanentes e dez rotativos, com mandatos de dois anos.
Oliver Stuenkel, professor da Escola de Relações Internacionais da Fundação Getúlio Vargas em São Paulo, acredita que a presidência do Conselho de Segurança sempre permite que o Brasil possa, de alguma forma, pautar a agenda dos debates. O clima no órgão, a seu ver, é de deterioração e os discursos proferidos na semana passada, durante a Assembleia Geral da ONU, deixaram isso claro.
Atualmente, os membros permanentes do Conselho de Segurança são Estados Unidos, Reino Unido, França, Rússia e China. Essas potências têm como vantagem o poder de veto. Por isso, qualquer que seja a resolução prevendo sanções à Rússia, por exemplo, não vão valer, porque os russos podem vetar a decisão.
“O retorno do Brasil às relações internacionais, após uma pane da diplomacia brasileira no período Bolsonaro, tem uma imensa importância, exatamente em tais condições”, afirma Francisco Teixeira.
Ele destaca que Lula usa argumentos fortes: além da inoperância do Conselho de Segurança para resolver conflitos, as grandes potências preferem gastar com armas e outros produtos de defesa do que investir em ações para conter o aquecimento global e combater a fome.