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Colunistas A guerra está no ar

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Esta coluna reflete a opinião de quem a assina e não do Jornal O Sul. O Jornal O Sul adota os princípios editorias de pluralismo, apartidarismo, jornalismo crítico e independência.

A guerra está no ar. Mas não todas as guerras. Há guerras que não pertencem à agenda do mundo moderno, mesmo com morticínios medonhos e violência inaudita. Na antiguidade, Ares, Marte e Set, foram, respectivamente, os deuses da guerra para gregos, romanos e egípcios. Eles estavam ligados aos aspectos mais brutais das matanças, ao derramamento de sangue, à agressividade e à violência. Com o tempo, os conflitos se sofisticaram. Os combates hoje são mais assépticos, com menos combates corpo a corpo e mais bombas teleguiadas. Matar prescinde agora da aprovação dos deuses e de sujar as mãos com sangue inimigo. Há uma impessoalidade mórbida na contagem dos mortos, pulverizados, muitas vezes, por um leve toque de um soldado distante na tecla “enter” do seu computador. E há novos elementos morais também, impulsionados por um intrincado conjunto de interesses geopolíticos e econômicos que priorizam quem deve e quem não deve morrer ou merecer atenção. A morte adquire, assim, uma conotação moralmente estética, além de política.

Um conflito nos confins da Etiópia, Iêmen ou Mianmar, receberá baixíssima cobertura da mídia, restando quase que esquecido em rodapés de jornais e menções escassas nos telejornais. Essas e tantas outras são guerras ignoradas, convenientemente olvidadas, cujas vidas perdidas e a dor imposta pela violência não tiram o sono do Ocidente. E como poderiam? São países sem relevância econômica ou geopolítica, desgraçados por governos ruins, desastres naturais, miséria e violência endêmicas, párias de um mundo que não tem tempo a perder com a ralé do planeta.

Novas religiões, crenças e seitas fanáticas também surgiram para, inclusive, continuar perpetrando as maiores barbaridades em nome de Deus. À espera dos mártires, dezenas de virgens num paraíso sonhado. Os deuses da antiguidade deram lugar a novos deuses, deuses cibernéticos, deuses da loucura, deuses do fanatismo. Tanto na antiguidade como na modernidade, contudo, mesmo os deuses foram incapazes de dar lastro suficiente à insanidade humana. Como justificar moralmente um Deus da morte? Em parte, a resposta veio da filosofia, mais crua, mais real, mais aterradoramente humana. Nos vermos nesse espelho não é algo consolador. “Se matares uma barata, dizia Nietzsche, você é um herói; se matar uma borboleta, você é mau”. A escala moral da barbárie não dependeria, assim, apenas de critérios objetivos e racionalmente compreensíveis ou de tributo à vontade divina. Era preciso algo além, e a resposta poderia estar na valoração estética e na incorporação de novos sensores para justificar o injustificável diante da naturalização da guerra. É impossível, entretanto, aquietar a consciência diante de tamanhas iniquidades.

Também do mesmo modo que as guerras atuais ganharam em letalidade, perderam em arte. Sun Tzu, um dos maiores estrategistas da antiguidade afirmava que “a excelência suprema consiste em vencer o inimigo sem ser preciso lutar”. Já no contexto mais recente das guerras napoleônicas, Clausewitz, outro ícone da estratégia militar, via a guerra como uma continuação da política, incorporando os aspectos morais do combate e suas influências sobre o resultado da luta. As deliberações atuais sobre os destinos das guerras estão bastante afastadas dos teatros dos combates, geralmente em elegantes gabinetes ou plenários, como os da ONU, incapaz de ser tempestiva e efetiva diante dos conflitos que povoam o planeta. Quem sabe é justamente o distanciamento dos generais dos palcos da guerra, como faziam Sun Tzu e Clausewitz, que tem tornado a diplomacia tão inoperante para gerir os conflitos. A guerra, assim, dolorosamente naturalizada, deixa de ser obra dos deuses, mas ainda passa longe de ser digerida no campo da racionalidade. Há, é fato, um embate que agora adquire contornos também civilizacionais, uma vez que parte do planeta ainda não ingressou no estado secular e franjas extremistas e fanatizadas, a exemplo do Hamas, atormentam o mundo e reclamam por novas formas de concertação da paz mundial.

Esta coluna reflete a opinião de quem a assina e não do Jornal O Sul.
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