Quinta-feira, 23 de janeiro de 2025
Por Redação O Sul | 10 de dezembro de 2023
Com vidros escuros e sem identificação, um automóvel surge rapidamente, é estacionado mas ninguém desce. Um homem de farda está posicionado junto ao muro de uma casa no Lago Sul (mais elegante área de Brasília) e, três minutos depois, outros dois chegam para escoltar dois carros que também aparecem em alta velocidade.
Mais alguns minutos e todo o roteiro se repete em sentido contrário, com o comboio deixando o local. A presença do vigilante no muro continuará por toda a madrugada no imóvel, onde vive o brigadeiro Marcelo Damasceno, comandante da Aeronáutica e que foi ameaçado de morte pela organização criminosa Comando Vermelho, surgida no Rio de Janeiro e com ramificações até mesmo fora do País.
O caso está sendo investigado em sigilo pela Polícia Federal (PF) e pelo Centro de Inteligência da Aeronáutica. Esse aparato de segurança também se observa em chegadas e saídas do edifício-sede do Força Aérea Brasileira (FAB) na Esplanada dos Ministérios, na capital federal. São soldados e oficiais destacados para proteger o alto oficial.
Na origem da mobilização está uma carta recebida em casa por Damasceno em envelope pardo, no dia 28 de outubro, postado em agência dos Correios carioca. Dentro, um manuscrito em letra de fôrma insinua que o autor tenha conhecimento da rotina do brigadeiro e de seus dos familiares, faz uma exigência e o adverte dos riscos de não atendê-la.
A chantagem: a FAB deveria entregar 200 fuzis, 50 metralhadoras, 50 pistolas, 50 granadas e “farta munição” até o dia 11 de novembro, em caminhão até uma rua da Cidade de Deus, uma das favelas mais conhecidas da capital fluminense. Do contrário, haveria retaliação violenta. Ao fim, a “assinatura” com a sigla C.V., em referência ao conhecido grupo criminoso.
A exigência feita pelos supostos criminosos era tão absurda que a primeira reação do comandante foi imaginar que estava sendo vítima de um trote, uma brincadeira de mau gosto. Ao analisar a carta, no entanto, alguns detalhes chamaram a atenção dos policiais, que recomendaram uma apuração mais profunda.
Peritos não encontraram impressões digitais nem qualquer vestígio de material genético, o que indicava que o autor se preocupou em não deixar pistas que permitissem sua identificação. Outro detalhe que chamou atenção: o manuscrito enviado ao brigadeiro era na reprodução por xerox, o que também indica que o autor tem um nível no mínimo razoável de conhecimento.
Especialistas explicam que a polícia pode elucidar casos assim a partir do exame da tinta da caneta utilizada ou da pressão exercida sobre o papel. A cópia inviabiliza a utilização dessas técnicas. Esses cuidados sugerem que o autor pode não ser quem se apresenta, o que justificou um aumento no nível do alerta de segurança.
O presidente Lula foi informado da ameaça pelo próprio comandante, classificou-a como “absurda” e se disse impressionado com a ousadia. Os ministros da Defesa, José Múcio, e da Justiça, Flávio Dino, também foram comunicados.
Dino designou um delegado da PF exclusivamente para o caso. Um dos primeiros passos nesse tipo de investigação é avaliar a credibilidade da ameaça e, caso seja detectado que existe um risco real à autoridade ameaçada, coloca-se em prática de forma imediata uma série de medidas de segurança.
O passo seguinte é a busca pelo autor. A Polícia Federal rastreia imagens de câmeras de segurança de pontos próximos à agência dos Correios onde a carta foi postada, no Rio de Janeiro. Também aprofundou a análise científica do envelope e da carta, na expectativa de encontrar elementos invisíveis a olho nu e que possam fornecer alguma pista.
Linhas investigativas
– Hipótese 1: a carta, de fato, partiu de um integrante do Comando Vermelho. O grupo criminoso é um dos maiores do país, domina o tráfico de drogas e de armas em várias regiões e é responsável por assaltos a bancos. No entanto, segundo os investigadores, o método utilizado para ameaçar o comandante não é usual da facção.
– Hipótese 2: trata-se uma “produção interna”, ou seja, a carta pode ter sido escrita por um militar da ativa ou da reserva e que, por razões funcionais ou políticas, teve algum interesse contrariado e poderia estar tentando assustar o comandante.
– Hipótese 3: o brigadeiro foi escolhido como alvo de extremistas. Depois da exigência e da ameaça, Damasceno é advertido de que não adiantava procurar o “Xandão”, referência ao ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), nem o ministro da Justiça Flávio Dino, porque “todos comem nas nossas mãos”.
Pistas
No envelope, está registrada a hora e a agência dos Correios onde a carta foi postada. Consta como endereço do remetente o Complexo Penitenciário de Bangu, onde, de fato, estão presos criminosos ligados ao Comando Vermelho.
Percebe-se também que o autor da ameaça tem algum conhecimento sobre a Aeronáutica, como o tipo de armamento disponível em seus arsenais. Ainda chama atenção o fato de a carta ter erros estranhos de português, que, segundo os investigadores, podem ser mero despiste.
Para reforçar a necessidade de investigar a terceira hipótese, um auxiliar do presidente da República lembrou que, nos últimos dois meses, houve um recrudescimento das tensões na caserna, motivada principalmente pela delação do tenente-coronel Mauro Cid, o ex-ajudante de ordens de Jair Bolsonaro, e pela guerra entre Israel e o Hamas, que sublinhou diferenças entre direita e esquerda em relação ao conflito.