Sábado, 11 de janeiro de 2025
Por Redação O Sul | 14 de dezembro de 2023
Evandro Mesquita andava outro dia pelo Arpoador e não reconheceu o pedaço de areia que forjou sua carioquice. Se antes sabia o “apelido de cada marisco” colado naquela pedra de Ipanema, agora não enxergava sequer um rosto familiar. O panorama o apavorou. Rendeu o sentimento de perda de identidade. E a certeza de que o tempo passou.
“Passou de maneira esquisita. Percebi que o Rio não era mais gentil. As esquinas eram outra coisa. Ipanema parecia Copacabana e, Copacabana, a Índia”, define o cantor e compositor de inacreditáveis 71 anos, que cresceu circulando a pé pela região, onde esbarrava com Tom Jobim, Chico Buarque e Vinicius de Moraes numa época em que a rua com o nome do poeta ainda se chamava Montenegro.
O desconforto inspirou música. “Agora é a hora”, composta com Frejat, diz: “Nas ruas do Rio de Janeiro/ Não vejo mais nossas pegadas…/ Será que já é o fim ou mais um recomeço”. A canção está em “Supernova”, que a Blitz acaba de lançar e mostra em show dia 5, no Circo Voador. O álbum, o primeiro de inéditas do grupo desde 2017, marca a estreia na gravadora Biscoito Fino.
Traz o DNA original do grupo, mas aponta para o presente com rap do ConeCrew Diretoria e arranjo de Papatinho. Fagner, João Suplicy, Dadi Carvalho também são convidados. A Blitz prepara ainda dois discos de hits e um com clássicos de Roberto e Erasmo, Gilberto Gil, Zé Keti.
Todos gravados no Toca da Onça, estúdio que Evandro mantém em casa, no meio do mato do Joá. Leia abaixo alguns trechos da entrevista que ele concedeu ao jornal O Globo.
– O disco é uma tentativa da Blitz de não ficar parada no tempo? “É importante continuar nossa história. Adoramos tocar ‘Você não soube me amar’, mas gravar música nova mantém a raiz forte. Não queremos ser cover de nós mesmos. Nosso último disco de inéditas foi indicado ao Grammy Latino.”
– Renovar público não é fácil, não é mesmo? “Fizemos matinê lotada na Cidade das Artes. As pessoas levam os filhos, que se identificam com a teatralidade. Minha filha (Alice, de 16 anos. Ele também tem Manuela, de 34) me mostrou no Tik Tok 350 adolescentes dublando ‘Você não soube me amar’. Mas não tem fórmula mesmo.”
– Se sente com 71 anos? “Não. Mas procuro não pensar. Não gosto de falar 71. Senão, fico preso. Tô indo bem, vou ao médico equilibrar, mas não tenho fixação com idade. Índio é assim: não conta o tempo desse modo. São crianças, guerreiros ou velhos.”
– Os antigos são considerados por eles museus vivos. Mas a nossa sociedade ocidental não dá esse valor aos velhos, não é mesmo? “Quando fui ao Xingu fiquei impressionado. Visitei os Mehinakos e os Kuikuro. Você dormia na rede e às 4h da manhã vinha um índio na sua rede e falava ‘bora banhar?’. O cacique pegava uma bicicleta, sentava com o bundão pelado no banco e íamos até uma picada até a lagoa dos buritis. O sol nascendo e a tribo toda dentro d’água, uma fogueira na margem. A gente cruzou com um velho e disseram que ele havia estado com o Marechal Rondon. O cara andando sozinho, a 20 minutos da aldeia, só com uma Havaiana. Devia ter uns 100 anos. Tenho uma tia de 95 que mora sozinha, ela é foda. Diz: ‘A coisa mais legal que tem é não ter ninguém me levando ao banheiro, pra cama’. Conta a mesma história várias vezes, mas, poxa, é a maior alegria. Uma referência boa, apesar de a minha mãe ter morrido cedo, perdi meu pai com 18. A gente tem que se apegar às referências boas ou entregar e desistir.” As informações são do jornal O Globo.