Terça-feira, 25 de fevereiro de 2025
Por Redação O Sul | 28 de dezembro de 2023
A gestão de Flávio Dino à frente do Ministério da Justiça e Segurança Pública deve se encerrar no início de janeiro, com a saída do ministro para o Supremo Tribunal Federal (STF). Ao longo do ano, Dino atuou para apagar incêndios, sem conseguir desenvolver uma política estrutural de combate à violência no País, na avaliação do sociólogo e especialista em segurança pública Luís Flávio Sapori.
Em entrevista ao Estadão, o professor da PUC Minas elogiou o protagonismo do ministro em relação às crises, mas criticou a ausência de medidas estruturantes, como a falta de atenção prioritária ao Sistema Único de Segurança Pública (SUSP). Sapori avaliou ainda como “sem qualquer efetividade prática” a operação de Garantia da Lei e da Ordem (GLO) adotada pelo governo federal como resposta à crise de violência no Rio.
Veja trechos da entrevista com o especialista:
1) Como foi o ano do País na área da segurança pública?
Não é complicado entender o que se passou este ano na segurança pública do Brasil, por que o tema voltou a ter prioridade entre os brasileiros, e por que o governo federal foi relativamente mal avaliado em comparação ao governo anterior.
No governo anterior, no governo Bolsonaro, praticamente nós não tivemos crises da segurança pública. Foram quase quatro anos em que a pandemia dominou o cenário nacional. E durante a pandemia a criminalidade diminuiu, principalmente os crimes contra o patrimônio. Roubos, furtos, de maneira geral, tiveram quedas bastante expressivas. São crimes que afetam muito o sentimento de segurança da população. Nós não tivemos episódios graves de motins em prisões, o problema do crime organizado, das milícias, das facções do tráfico, não vieram à tona.
Com a relativa volta à normalidade, o crime voltou a bater seus patamares pré-pandemia. O crime hoje no Brasil não está aumentando em relação ao período pré-pandemia, ele está voltando ao que tínhamos em 2017, 2018.
O governo Lula enfrentou crises diversas ao longo do ano, com grande repercussão pública, com grande repercussão midiática, que é normal, justificável, e isso alimenta o sentimento de insegurança da população. Isso gera nas pessoas um sentimento de medo, como no caso dos três médicos assassinados no Rio de Janeiro. Apesar de ser um caso do Rio de Janeiro, isso gera uma percepção de medo, uma percepção de que o governo federal não está fazendo nada.
Um efeito perverso da gestão Flávio Dino é que ele assumiu um protagonismo muito grande nesses episódios, ele não se omitiu, assumiu compromissos em enfrentar o problema junto com os respectivos governos estaduais. Paga-se um preço por isso.
Esse protagonismo, de alguma maneira, dá má visibilidade, ele acaba também colocando a batata quente no colo do governo federal. Isso o Flávio Dino conseguiu, em certo sentido, para bem ou para mal. Mas de maneira geral, minha avaliação é que o governo Lula mais acertou do que errou ao longo desse primeiro ano, em 2023.
2) Qual a sua avaliação da gestão Dino?
Avalio que a gestão Flávio Dino foi satisfatória, cometeu mais acertos do que propriamente erros. Fui secretário de segurança pública em Minas Gerais, então a experiência de gestor me ensinou que um bom gestor tem que saber lidar com situações de crise, tem que saber tomar decisões rápidas, não pode vacilar.
Dino, do meu ponto de vista, foi muito competente nas respostas, firme, mostrou autoridade, mostrou liderança. E, do meu ponto de vista, deixou um legado pequeno, mas um legado, que é a força-tarefa que foi montada no Rio de Janeiro para lidar com as milícias, as facções, algo que não tinha sido feito até hoje, por incrível que pareça. Isso é importante, é definitivamente uma ação importante que ninguém tinha feito antes.
3) Houve erros?
Houve uma limitação, e é a crítica que tenho feito publicamente. Ele não foi capaz de pensar estrategicamente a segurança pública. Ele colocou em segundo plano a implementação do Sistema Único de Segurança Pública (SUSP), que é o modelo de governança da política de segurança pública no médio e longo prazo. Para que o Brasil, efetivamente, possa mudar a sua realidade em segurança pública, nós precisamos implementar o SUSP. Dino não percebeu isso, não conseguiu compreender essa dimensão estratégica.
4) Portos e aeroportos do Rio e de São Paulo estão sob uma GLO. Esse tipo de medida é eficiente?
É mais para inglês ver, não tem qualquer efetividade prática. O contrabando de drogas pelos aeroportos é pequeno, é feito pelas “mulas”, que são identificadas através dos equipamentos de scanners nos aeroportos. E a Polícia Federal já sabe, já tem know-how nisso. Tem que investir na sofisticação cada vez maior desses equipamentos.
Há tecnologias atualizadas para inibir esse contrabando através das malas também, que muitas vezes são utilizadas de maneira sofisticada para contrabandear cocaína. A GLO é inútil. Nos portos também, da mesma maneira. Patrulhar portos não vai mudar nada, porque essa droga é contrabandeada através de contêineres.