Domingo, 22 de dezembro de 2024
Por Redação O Sul | 11 de janeiro de 2024
Esta coluna reflete a opinião de quem a assina e não do Jornal O Sul. O Jornal O Sul adota os princípios editorias de pluralismo, apartidarismo, jornalismo crítico e independência.
O termo sandbox – caixa de areia– é empregado no âmbito da tecnologia da informação para fazer referência a um ambiente segregado para realização de testes com softwares novos ou modificados, de modo a não comprometer a segurança e a eficiência do ambiente de trabalho original.
O seu uso foi popularizado pela Financial Conduct Authority (FCA) do Reino Unido, em 2015, em iniciativa destinada a apoiar a inovação e o experimentalismo com novos produtos financeiros no crescente mercado de fintechs.
A experiência brasileira, por sua vez, iniciou a partir de 2019, quando a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) aprovou a Instrução CVM 626, que regulamenta a constituição e o funcionamento do sandbox regulatório para o mercado de capitais brasileiro. Tal normativa vale para as atividades reguladas pela CVM, pelo Banco Central do Brasil (BCB), pela Superintendência de Seguros Privados (Susep) e pela Superintendência Nacional de Previdência Complementar (Previc); sabe-se que essas áreas foram impulsionadas pelo emprego crescente de tecnologias como blockchain e inteligência artificial (IA) em sistemas de pagamento, seguros privados e no mercado de capitais.
Como é notório, a IA Generativa oferece o potencial necessário para escalar exponencialmente a aplicabilidade de técnicas inovadoras. O seu crescimento se deve, sem pretender explicar seu desenvolvimento, especialmente, a determinadas causas: (1) disponibilidade de poderosos hardwares, (2) ampla disponibilidade a uma vasta gama de dados, (3) uso de feedback humano por aprendizado de reforço e (4) aplicação de rede neural Transformers2.
Trata-se, sem dúvida, de tecnologia com ampla capacidade de impactar diretamente escolhas políticas e suas respectivas normativas, como aponta o site britânico Tortoise Media. De acordo com o site, em 2022, o Brasil foi apontado como a 39ª posição mundial no que diz respeito à capacidade de desenvolver tecnologias de AI. Quanto à implementação de políticas públicas para o desenvolvimento de IA: 28ª colocação (país sul-americano mais bem posicionado em ambos os recortes).
O público não pode ficar de fora, como aponta pesquisa realizada pela KPMG. Resultou que 77% dos líderes governamentais expressam o desejo por uma abordagem mais assertiva na adoção da inteligência artificial. Ademais, 74% dos entrevistados afirmaram que o governo está empenhado em aprimorar as habilidades de seus servidores. Quanto à implementação, 48% dos entrevistados têm a intenção de utilizar a IA para otimizar processos de automação, enquanto 40% buscam melhorar as capacidades analíticas.
Contudo, apesar do “entusiasmo” retratado nos primeiros número da pesquisa, 64% dos entrevistados ainda consideram que a IA está mais associada a um alarde do que à realidade3.
Inovar não corresponde exclusivamente à implementação de tecnologias com IA embarcada. Pelo contrário. Inovar corresponde a criar algo novo (tecnológico ou não), ou por um método novo, mas não se pode, nesse momento, deixar de enfatizar a capacidade que dispõe a IA à propulsão da inovação. Assim, evidentemente que o gestor público que pretenda atender satisfatoriamente – reduzindo a burocracia e dando maior eficiência e celeridade à tomada de decisões – aos interesses da sociedade não pode dela dispor.
Inovações e métodos inovadores, portanto, têm o condão de acelerar a produtividade do setor público e melhorar a qualidade da prestação do serviço aos cidadãos, com a consequente (e necessária!) remodelação de normas e políticas governamentais. Trata-se de verdadeiro desafio, considerando que a Administração Pública possui estrutura jurídica própria a ser observada, a qual difere – significativamente – da do setor privado. Não se desconhece que ao se falar em gestão pública devem ser promovidos os diversos princípios-chave para além da eficiência, os quais precisam ser considerados de maneira minuciosa no processo de integração de novas tecnologias. Então surge um instrumento jurídico que confere ao gestor público a capacidade de deferir um “dinamismo” à atividade estatal de modo a fomentar a inovação.
A ferramenta do sandbox regulatório tem a capacidade de servir à promoção da inovação na gestão pública. Foi a Lei Complementar 182/2021, conhecida por Lei das startups e do empreendedorismo inovador, que veio a conceituar o instrumento em seu art. 2º, II: “II – ambiente regulatório experimental (sandbox regulatório): conjunto de condições especiais simplificadas para que as pessoas jurídicas participantes possam receber autorização temporária dos órgãos ou das entidades com competência de regulamentação setorial para desenvolver modelos de negócios inovadores e testar técnicas e tecnologias experimentais, mediante o cumprimento de critérios e de limites previamente estabelecidos pelo órgão ou entidade reguladora e por meio de procedimento facilitado.”
A pretensa regulação dos negócios baseados em soluções inovadoras e disruptivas não acompanha a velocidade de sua transformação – está aí “o porquê” do sandbox regulatório: visa à adequação das regras à nova realidade imposta por essas inovações, possibilitando que regras sejam testadas em pequenos grupos antes que tenham alcance geral.
Sem pretender com o presente texto esgotar sua análise, mas, sim, destacar sua relevância, pode-se falar que se trata de mecanismo jurídico que pretende se valer do empirismo para regulamentar e fomentar a inovação. O Estado5 se vale ora do desenho regulatório para corrigir falhas de mercado, ora para fomentar o desenvolvimento de atividades sustentáveis e – especialmente – do microempreendedor – de modo a gerar externalidades positivas à sociedade.
Quer-se autorizar com o sandbox regulatório um verdadeiro “ambiente vivo de leis”: propiciando o teste de produtos, serviços e processos inovadores, criando um entorno controlado para reduzir a incerteza e os riscos inerentes ao processo inovativo. Por sua vez, a partir de olhar da iniciativa privada, o ambiente regulatório experimental autoriza que empresas se valham de regime diferenciado – em setores selecionados – para lançar novos produtos e serviços inovadores no mercado, com menos burocracia e mais flexibilidade, mas com o monitoramento e a orientação dos órgãos reguladores. Um processo de confiança mútuo entre público e privado: “estratégia win-win”.
Busca-se um aprendizado incremental e flexível que deve estar sujeito a cuidados prudenciais pelo “órgão” responsável pelo monitoramento do experimento. Assim, orientado por valores de ordem constitucional e legal, deve o Estado caminhar em direção à adoção dessa técnica já tão bem trabalhada por algumas entidades reguladoras setoriais em verdadeira colaboração/interdependência público-privada de modo a fomentar: o empreendedorismo inovador, a majoração de investimentos e uma regulação contemporânea que entregue, efetivamente, segurança à sociedade.
Dentre alguns entes da federação que já regulamentaram a matéria, podemos citar o município da Porto Alegre a partir da Lei nº 13.001/2022 e do Decreto nº 21.543/2022. Salienta-se que, no âmbito do RS, o Projeto de Lei nº 213 /2023 regulamenta a constituição e o funcionamento do ambiente regulatório experimental, denominado Sandbox Regulatório. Por sua vez, é de se destacar que no âmbito do Conselho Nacional do MP, em minuta de Recomendação quanto às diretrizes para o desenvolvimento, implementação e uso seguro e responsável de ferramentas de Inteligência Artificial Generativa pelo Ministério Público brasileiro, estipula-se: “Promovam avaliação interna de riscos e a realização de sandboxes regulatórios que estabeleçam ambientes controlados para desenvolvimento, teste e validação de ferramentas de Inteligência Artificial durante um período limitado de tempo antes de sua implementação efetiva”.
Júlia Flores Schütt — Membro do Grupo Líderes, Promotora de Justiça no Ministério Público do Rio Grande do Sul, Mestre e Doutora pela Universidade de Salamanca/Espanha e pós graduanda pela FMP em Direito Digital, Cybersecurity e Inteligência Artificial.
Esta coluna reflete a opinião de quem a assina e não do Jornal O Sul.
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