Domingo, 17 de novembro de 2024
Por Redação O Sul | 26 de janeiro de 2024
Esta coluna reflete a opinião de quem a assina e não do Jornal O Sul. O Jornal O Sul adota os princípios editorias de pluralismo, apartidarismo, jornalismo crítico e independência.
Contavam-se alguns anos, obviamente passados, mas não tendo quem não o lembrasse. Idoso, para usar a opinião mais acomodada, lia, com uma regularidade quase funcional, tudo quanto as suas mãos chegassem. Tinha curiosidade de encontrar traços da sua própria história. A procura era uma batalha silenciosa e solitária, folheando livros, cadernos, almanaques, que os tinha em pilhas. A ação dos certificados, títulos que compunham uma espécie de legado superado ia, a cada dia e a cada hora, ganhando maior volume. Dizia sempre: “O velho gosta mesmo é de manusear certificados e mexer no cantinho das notas especiais de natureza privada”.
Enfim, no meio da curiosidade, reencontrou uma notícia de curso que dera na Organização Internacional de seguridade social (OISS). Ocorria durante um semestre que participavam os gestores da previdência de 15 ou 16 países. Iria dar 6 aulas. Deu-as logo e teve uma boa relação com aquele público internacional. Foi apresentado a um outro professor que viera do norte da África para dar também aulas sobre previdência. O africano, de sorriso largo, era um marroquino sediado na Universidade de Casablanca. Dias depois, retornara ao Brasil. Recebeu um convite da Universidade de Casablanca (Marrocos) para dar um curso de 3 semanas.
Era uma cidade que a mim, já veterano, lembrava uma história cinematográfica que ficara marcada na lembrança e que terminava com uma cena da qual nunca me esquecera: quando o inglês, Humphrey Bogarth, o herói romântico e corajoso militar, se despede da atriz mais comemorada na época, Ingrid Bergman, sueca, porque a guerra terminara e eles se separariam definitivamente.
Recordou-se de uma data de antes, claro que conservando como tema central algumas aulas na histórica e turística Marraquexe, onde admirei aquelas casinhas disciplinadas na sua arquitetura com janelas e balcões vermelhos enfeitando a avenida. Aliás, quando os cristãos (entre 1200 e 1400) tomaram a Ibéria e expulsaram os judeus que atravessaram Gibraltar em direção a Marrocos. Tempos depois, nova leva judaica repetiu-se na época da Inquisição com suas práticas reprováveis de tortura e, ao mesmo tempo, com destacados conflitos raciais. Foi quando João Paulo II formou o primeiro pontificado e visitou uma sinagoga.
Foi assim, com tais histórias, que Marrocos, o mais ocidentalizado dos países árabes e africanos, que, por exemplo, recebeu, em termos de Idade Média, propostas de transações em que se trocavam um quilo de açúcar dos “bárbaros” por um conjunto uniforme de mármore de Carrara. Era a “ditadura” do mercado que se criava.
Já no Direito de Família, no Islã, o que mostraram valiosas cartas trocadas pelos chamados “homens de responsabilidade”, via-se que o árabe podia ter 4 esposas. A “família” teria a liderá-la, entre as mulheres, a favorita e compartilhando a vivência até mais 3 representantes do sexo feminino. Importante é que o homem, polígamo, que sempre houve, porque o espírito guerreiro dos marroquinos fazia com que os seus varões fossem guerreiros de participação em guerras contínuas, enquanto as mulheres – como viúvas – sobreviviam foram dos campos de batalha.
Na estrutura familiar, a favorita não seria nem a mais rica, nem a mais moça, nem a mais bonita. Esse título e esse direito estavam reservados para aquela que desse ao marido o primeiro filho homem. Especialmente depois que se alargaram as relações de Marrocos com Europa ocidental, inclusive abrindo-se para contatos comerciais com o Brasil, as teses organização familiar sofreram pequenas (?) alterações no princípio do seu código de direito da família e há uma expressão que diz: “O homem só terá uma esposa, mas se ela não engravidar, o marido pode ter uma segunda; a que ganhará o direito de continuidade, será a que viabilize o nascimento do primeiro descendente masculino”.
Na vida política, em Marrocos, há certos pontos a destacar: o distrito industrial de Rabat, onde são aplicados valores consideráveis dos capitais internacionais. O rei que a tal título chegou pela condição vitalícia, já que a monarquia é familiar tem o seu retrato multiplicado, colorido, em todas as lojas, escolas, universidades. O Parlamento (para o qual há eleição) é uma espécie de assembleia para oferecer projetos de boa qualidade que o rei irá sancionar.
Enfim, Marrocos é um país desejável, só não se pode falar mal do rei. A impressão que a população dá quando perguntada o que eles acham do monarca, a resposta é padronizada (desde jovens universitários até senhores de idade avançada): “Ele é bom, bonito e barato”.
Lá, como idoso, a memória falhou. Esqueci de dizer que as pessoas só não têm liberdade e que da democracia cuida o rei, que é o dono da bola.
Carlos Alberto Chiarelli foi ministro da Educação e ministro da Integração Internacional
(E-mails para carolchiarelli@hotmail.com)
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