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Brasil Ao vedar o aborto legal, o Conselho Federal de Medicina afronta a lei e um direito garantido às mulheres há 84 anos

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As mulheres mais pobres acabarão sendo as mais atingidas pela resolução. (Foto: NYT)

O Conselho Federal de Medicina (CFM) editou uma resolução que veda a prática do aborto legal em gestações com mais de 22 semanas. Segundo o CFM, uma vez transposto esse marco temporal, “há chance de vida fora do útero”, razão pela qual os médicos não estão mais autorizados a realizar a assistolia fetal, um procedimento que leva à morte do feto.

“Após 22 semanas, é possível preservar o direito da gestante de interromper a gravidez fruto de estupro e garantir o direito à vida (do feto), com a antecipação do parto”, disse o conselheiro Rafael Câmara, relator da resolução. Sobre quem, afinal, haveria de recair a responsabilidade pelos cuidados com a criança, não se ouviu nem uma palavra da guilda médica.

A resolução, que deve chegar ao Poder Judiciário cedo ou tarde por sua manifesta ilegalidade, afronta um direito das mulheres garantido pela legislação brasileira há 84 anos. O Código Penal é claríssimo ao não punir o aborto praticado por médico – em qualquer fase da gestação, ressalte-se – quando não há outro meio de salvar a vida da gestante (o chamado “aborto necessário”) e no caso de gravidez decorrente de estupro, desde que haja consentimento da vítima ou de seu representante legal.

Em abril de 2012, o Supremo Tribunal Federal (STF) ainda reconheceu como igualmente lícita a “interrupção da gravidez de feto anencéfalo”, ou seja, do feto que, por não ter desenvolvido o cérebro, não tem capacidade de sobreviver fora do útero da mãe. Nas palavras de Marco Aurélio Mello, então ministro relator daquele julgamento, tido como histórico pelo STF, “anencefalia e vida são termos antitéticos”.

Classificando a assistolia fetal como “feticídio”, os conselheiros do CFM autorizaram os médicos a adotar o procedimento, considerado o mais indicado para gestações em estágio avançado, apenas até a 22.ª semana. Ao que tudo indica, esse recorte temporal foi adotado porque, segundo explicou Câmara, é o momento em que se considera viável a vida extrauterina.

No entanto, não cabe ao CFM determinar prazo algum para a realização do aborto legal, quando nem o Código Penal nem a Constituição o definem. Nenhum médico Brasil afora pode ser processado criminalmente caso realize um aborto naquelas três circunstâncias autorizadas por lei. E tampouco deve sofrer quaisquer sanções de natureza administrativa.

O Conselho, por fim, está causando às mulheres brasileiras um enorme sofrimento adicional a uma violência sofrida por elas ou à angústia de ter de optar entre a sua própria vida ou a do feto que carrega no ventre. É de uma crueldade inominável essa resolução ilegal do CFM, pois é evidente que profissionais de saúde passarão a ter receio de realizar abortos mesmo nos casos autorizados pela legislação temendo sofrer punições.

Por fim, para além da violência de gênero contida nessa resolução, há ainda um recorte socioeconômico que não pode ser ignorada. É claro que as gestantes mais pobres serão as mais penalizadas.

As informações são do jornal Estado de S. Paulo.

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