Sexta-feira, 27 de dezembro de 2024

CADASTRE-SE E RECEBA NOSSA NEWSLETTER

Receba gratuitamente as principais notícias do dia no seu E-mail ou WhatsApp.
cadastre-se aqui

RECEBA NOSSA NEWSLETTER
GRATUITAMENTE

cadastre-se aqui

Colunistas Relato da enchente que vivi

Compartilhe esta notícia:

(Foto: Giulian Serafim/ PMPA)

Esta coluna reflete a opinião de quem a assina e não do Jornal O Sul. O Jornal O Sul adota os princípios editorias de pluralismo, apartidarismo, jornalismo crítico e independência.

Sabendo que nosso time dos Velejadores Solidários estava fazendo um excelente trabalho na área náutica resgatando em meio a um rio bravio e impiedoso, orgulhando à todos nós, resolvi botar o neoprene e entrar na Vila Farrapos, local em que nasci e me criei.

O cenário é desesperador. Não há palavras pra descrever o caos e a tristeza.

Chegamos meu irmão Mauro e eu, separados, próximo às 10h. Meu irmão caminhou da Sogipa até a Vila Farrapos. Uns 4-5km até nossa região. Eu desci na Félix da Cunha e caminhei uns 5km também. Caminhamos isso tudo pois a água já estava ali.

Caminhando no meio da rua. Bueiros borbulhando. Tudo muito rápido.

A Farrapos era um deserto de águas. Ao chegar na estação Farrapos comecei a observar as pessoas em fuga, chorando. Famílias inteiras. Idosos, crianças. Verdadeira cena de guerra.

Enquanto avançava centenas caminhavam na direção contrária. Água nos joelhos, em seguida na cintura… logo adiante aperto nas calçadas pra manter a água na cintura. Fui encontrar meu irmão querido só no meio de um deserto de água onde ficava nossa casa de infância e onde pensei que ele estaria, já que não consegui contato telefônico. Comunicação era caos.

Quando encontrei-o imaginava vê-lo cabisbaixo por ter perdido tudo da sua casa na vila. Que nada! Estava carregando pessoas dentro de uma geladeira flutuando do jeito que dava. Água no peito. Deixamos uma pessoa e voltamos.

Conseguimos voltar para uma área de águas muito profundas perto da Frederico Mentz. Impossível chegar em algumas famílias no teto de suas casas. Forcei meu irmão a pensar em nossa segurança já que as pessoas estavam nos tetos e nós agarrados as grades tentando chegar.

Voltamos.

Pensei e liguei pro Maior Lock do CBMRS. Não precisava atender minha ligação, não estava dentro da função direta dele. Mas anotou meu pedido na confiança.

“Lock, na confiança, pede pro pessoal que vem da Rio Branco voando, passar pela vila farrapos. A situação tá muito complicada. Se não for tanto assim, tenho certeza que eles vão tomar a melhor decisão.”

Em 10 minutos lá estava o helicóptero avaliando, quero acreditar, a situação que reportei. Prometi as família voltar assim que possível, de caiaque mesmo. Mas informei que esperassem apoio dos anjos da guarda vindos do céu.
Continuamos. 10, 15, 25, 40 pessoas. Começaram a aparecer botes, lanchinhas com o motor que dava, alguns poucos jetskis, e muitas geladeiras… muitas de verdade. Que povo! Que genialidade!

Final da tarde caindo. Chuva se aproximando. Quando avisto um Super Puma da FAB, gigante, uma cena de tamanha grandeza.

Via minha infância ali, sonhando em voar. Paira, desce o guincho. 2, 4, 6, 8. Não seguro as lágrimas.
Agradeço de coração pleno.

Assim seguimos até a noite cair e estarmos e exaustos e com muito frio. Fomos até a minha casa, no Humaitá pra deixar o caiaque. Amanhã tem mais. Água no pé da porta. Paciência.

Nova caminhada pelo bairro pra tentar uma carona rumo a Sogipa. Uma volta enorme tentando e tentando uma carona. Acabamos caminhando quase o dobro e ajudando muitas mais famílias ainda que extremamente cansados de caminhar na água contra a correnteza. Finalmente há uns 2km da Sogipa uma carona do nosso Exército Brasileiro.

Um caminhão tracionado no qual voltaríamos toda a nossa caminhada pra resgatar mais pessoas ainda, com alegria, e levá-las até o ponto seguro próximo do viaduto da Farrapos. Lá, nova carona, agora com jipeiros, bravos, rumo ao viaduto da Ceará. Ali nova carona com o EB dependurados nas portas do caminhão rebocando uma lancha de desembarque cheia de pessoas.

Finalmente no viaduto da Assis Brasil, recepcionados pela gentileza dos voluntários, assim como nós, doando seu pouquinho naquela imensidão de tristezas. Nos ofereceram comida, bebida e calor humano. Aplaudiram nossa chegada e das pessoas que escapavam do inferno das águas.

Chegamos com água a 4,98m. Saímos com água a 5,22m… mas com uma multidão de voluntários que se multiplicou enormemente enquanto nos virávamos como dava.

Amanhã tem mais.

Chega São Pedro, por favor!

Cristian Yanzer
Um Voluntário da Pátria

Esta coluna reflete a opinião de quem a assina e não do Jornal O Sul.
O Jornal O Sul adota os princípios editorias de pluralismo, apartidarismo, jornalismo crítico e independência.

Compartilhe esta notícia:

Voltar Todas de Colunistas

Solidariedade em ação: uma onda de esperança no Rio Grande do Sul que precisa continuar
Câmara banca farra de deputados no exterior
https://www.osul.com.br/relato-da-enchente-que-vivi/ Relato da enchente que vivi 2024-05-05
Deixe seu comentário
Pode te interessar