Sexta-feira, 27 de dezembro de 2024
Por Redação O Sul | 13 de maio de 2024
As enchentes devido a fortes chuvas no Rio Grande do Sul impactaram milhares de famílias. Além das perdas materiais, há um enorme dano psicológico a essas famílias e a saúde mental da população local já se tornou uma preocupação de saúde pública.
De acordo com Miriam Alves, presidente do CRPRS (Conselho Regional de Psicologia do Rio Grande do Sul), as perdas ocasionadas pelas enchentes – que podem incluir, além de familiares, amigos e animais, espaços como residências, espaços comunitários e culturais, escolas, hospitais, trabalho, igrejas e terreiros – podem impactar a curto, médio e longo prazo o bem-estar mental.
“Dentre as reações emocionais e comportamentais esperadas dessas vítimas, temos a própria tristeza, a angústia, a raiva, o choro, a preocupação com o futuro, a falta de apetite ou o excesso dele, e a insônia”, elenca Alves.
“Também tem a possibilidade de ampliação de sintomas psicológicos de pessoas que já necessitavam de um cuidado de saúde mental prévio, assim como o aumento do uso de substâncias e as ocorrências de diferentes fatores de violência. Essas são reações esperadas e que temos que estar observado na prática, nos abrigos, e que temos que refletir sobre o que a psicologia pode oferecer para ajudar”, afirma.
Diante desse cenário, as necessidades de apoio psicológico são voltadas ao apoio prático. “Não se trata da escuta clínica da qual estamos acostumados, como a psicoterapia. Trata-se do apoio prático, oferecer água, oferecer um lugar seguro para se aquecer, para se sentar, e oferecer comida. São cuidados básicos e que não devem ser feitos de forma invasiva”, exemplifica Alves.
Efeitos indiretos das enchentes à saúde mental
Além das vítimas diretas das enchentes, existem ainda, outros níveis de impacto ao bem-estar mental causado pelos desastres naturais. É o caso de quem está vivendo em bairros e regiões não afetadas pelas chuvas no RS, mas que conhecem familiares ou amigos que foram impactados, ou, até mesmo, quem está acompanhando a situação pelos noticiários e redes sociais.
“Nós vivemos uma situação em que todos nós estamos sendo afetados, de diferentes formas”, afirma Miriam Alves. “Os noticiários têm mostrado como a situação no Rio Grande do Sul tem afetado a todos a nível nacional. O cavalo Caramelo [que estava ilhado e foi resgatado] é um exemplo perfeito dessa afetação nacional”, cita.
A presidente do CRPRS explica que, nesses casos, os cuidados com a saúde mental também envolvem a escuta ativa por parte dos profissionais.
“Quem está em segurança também deve poder falar sobre isso. Não dá para ignorar o que está acontecendo. Colocar esses sentimentos em palavras é fundamental para a sociedade como um todo, para que seja possível, inclusive, construir estratégias para minimizar esses impactos futuramente, porque estamos vivenciando uma situação que, infelizmente, vai se repetir”, afirma.
A psicóloga clínica Camilla Rodrigues conta que, durante seus atendimentos, tem recebido relatos de pacientes ansiosos e aflitos ao acompanharem a situação no RS.
“O que eu oriento é evitar ver vídeos sensacionalistas; se ficar sensibilizado, compartilhe as notícias; se tiver a possibilidade de fazer uma doação, procure uma instituição ou voluntário confiável, e, quem tem estrutura para procurar um auxílio clínico, procure”, orienta.
Crianças também devem receber apoio psicológico
As crianças vítimas das enchentes no RS também devem receber atenção especial. José Paulo Ferreira, presidente da Sociedade de Pediatria do Rio Grande do Sul, afirma que as crianças não conseguem entender a dimensão do que está acontecendo e, por isso, devem receber orientação e ajuda dos pais ou responsáveis.
“É preciso entender que será necessário explicar para as crianças por que aconteceu tudo isso. Por que elas tiveram que sair de casa às pressas; por que, eventualmente, algum familiar delas está perdido; por que ela e sua família estão vivendo em um abrigo ou por que está faltando água e comida em suas casas… É uma situação que nem as crianças nem os adultos estão preparados para enfrentar, mas é preciso conversar com elas”, orienta.
Além disso, as crianças que estão vivendo em abrigos devem, à medida do possível, ter a possibilidade de brincar e exercer a criatividade. “É através das brincadeiras que as crianças expressam seus sentimentos de irritação ou frustração e as suas angústias. Isso, inclusive, nos ajuda a entender o que essa criança está necessitando”, afirma Ferreira.
O especialista afirma, ainda, que os pequenos que não foram afetados diretamente pelas enchentes, mas que vivem em locais próximos às regiões mais acometidas, também podem sentir os impactos da tragédia. “É uma situação de muita tristeza na região. O estado inteiro está de luto. As aulas, por exemplo, foram suspensas essa semana. Tudo isso afeta as crianças e o trabalho tem que ser feito com todas elas, não somente quem está mais vulnerável”, diz.