Sexta-feira, 27 de dezembro de 2024
Por Redação O Sul | 25 de maio de 2024
As cenas de cidades inteiras devastadas pela catástrofe ambiental no Rio Grande do Sul são algo familiar aos moradores de diversas regiões do planeta nas últimas décadas. Dentre essas está New Orleans, no Estado norte-americano da Luisiana, atingida em cheio pelo furacão Katrina em agosto de 2005 e cujas perdas com o episódio custaram US$ 120 bilhões aos cofres do país. Os dois episódios têm motivado comparações.
Tanto na tragédia de quase 19 anos atrás quando no caso gaúcho, os cataclismos foram causados pela combinação de fatores meteorológicos, que especialistas parcialmente atribuem ao processo de aquecimento global influenciado pelas atividades humanas. Há também um outro aspecto: o negacionismo climático por parte da população e a incompetência de autoridades.
“Devido a alguns governos e pessoas não acreditarem nos estudos científicos, bem como ao descaso com investimentos em infraestrutura e educação para prevenção de desastres socioambientais”, avalia a geógrafa e consultora Tatiana Leite Garcia, da Universidade de São Paulo (USP).
Considerando-se as semelhanças e diferenças entre os dois incidentes ambientais, quais as lições a serem assimiladas pelo Rio Grande do Sul (e o Brasil) em relação ao processo de recuperação de New Orleans pós-Katrina? E o que pode ser feito para evitar novos desastres naturais de grandes proporções nessa região do globo?
Semelhanças
New Orleans está localizada às margens do lago Pontchartrain e do famoso rio Mississipi, em área abaixo do nível do mar, e dispunha de diques para se proteger da água.
Já o Rio Grande do Sul não tem cidades abaixo do nível do mar, mas seu mapa é entrecortado por rios e lagoas como a dos Patos e o Guaíba, além de possuir várias barragens. A capital, Porto Alegre, conta ainda um sistema de diques projetado para protegê-la de inundações.
Essas características fazem com que ambos os territórios sejam propícios a inundações. Enquanto no Rio Grande do Sul o impacto territorial foi maior que na região da Luisiana: 3,8 mil e 2,4 quilômetros, respectivamente. Mas o número de afetados pelo Katrina é maior: mais de 1 milhão de desalojados, se forem considerada toda a região.
Parte dessa população retornou para casa dias depois, porém outras 600 mil permaneciam sem lar após um mês da passagem do furacão. Outra estatística é a de perdas humanas: 1.400 mortes. Já no Estado gaúcho, por enquanto foram contabilizadas 540 mil desalojados e 166 óbitos até esse sábado (25).
Preparação
Diferente do Brasil, nos Estados Unidos a alta frequência de furacões motivou a criação de sistemas de alerta abrangentes. No dia anterior à tragédia, a prefeitura de New Orleans havia ordenado a evacuação e a Luisiana ativou seu plano de resposta a emergências, no maior esforço de evacuação já realizado nos Estados Unidos. .
“Da mesma forma que no Rio Grande do Sul, a cidade norte-americana precisou de abrigos públicos para as vítimas, Mesmo assim muita gente permaneceu no território”, relembra Tatiana. “Nem sempre que os sistemas de alertas disparam, o fenômeno vai necessariamente causar catástrofes. A população já havia evacuado e retornado em outros momentos e parte dela não acreditou que aconteceria algo sério.”
Foram cerca de dez anos para que New Orleans se reerguesse. “A reconstrução da cidade foi lenta, dolorosa e demorada”, relata a professora da Universidade da Louisiana, Liz Skilton, especialista em história das respostas humanas a catástrofes coletivas.
Ela prossegue: “O turismo e outras atividades econômicas foram retornadas, mas hoje o número de habitantes é mais de 20% menor que o anterior ao Katrina. Até hoje há investimentos nas casas, mas também a manutenção desses muros de contenção, das bombas que vão ajudar nesse processo de retirada das águas dos pontos mais críticos da cidade”.
Com todo o dinheiro que têm os Estados Unidos, tudo foi demorado e com ajuda de organizações não governamentais e a ajuda das pessoas. Na Região Sul do Brasil é a mesma coisa, com a necessidade de muito dinheiro e de uma ampla rede de solidariedade durante longo período, inclusive com meses de limpeza devido às inundações.
Outro aspecto de convergência entre os dois desastres é a presença de voluntários. Assim como no Rio Grande do Sul de agora, os norte-americanos afetados pelo furacão de 2005 receberam ajuda de uma rede de apoio formada por cidadãos, empresas, organizações sociais e entidades internacionais.
“A burocracia nos Estados Unidos atrasou os recursos para chegarem e o que fez a grande diferença foi a solidariedade”, aponta a geógrafa da USP. “E isso também foi o que nós vimos no Brasil agora e até as ajudas internacionais que chegaram ao Rio Grande do Sul.”
Aprendizado
Aliado a uma educação para que as pessoas saibam como se comportar em situações de catástrofes ambientais e como preveni-las, Tatiana defende a necessidade de investimentos em sistemas eficientes de monitoramento e de uma governança conjunta entre diferentes instâncias do poder público para evitar novos desastres:
“Temos que começar a nos preparar porque tem sido cada vez mais recorrentes essas tragédias relacionadas a grandes volumes de chuvas, deslizamentos”.
Nesse sentido, Almeida acrescenta que a reconstrução das cidades precisa ser feita com soluções baseadas na natureza e mediante democracia participativa, com soluções que ouçam a população afetada:
“Também é importante fazer com que ela seja protagonista da reconstrução. O Brasil também precisa de uma agência para respostas a desastres naturais. A Defesa Civil tem papel semelhante mas é uma agência governamental mal equipada e com baixo orçamento”, finaliza.
(Marcello Campos)
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