Terça-feira, 17 de dezembro de 2024
Por Mireza Martí | 4 de junho de 2024
Esta coluna reflete a opinião de quem a assina e não do Jornal O Sul. O Jornal O Sul adota os princípios editorias de pluralismo, apartidarismo, jornalismo crítico e independência.
A tragédia fluvial e pluvial ocorrida no Rio Grande do Sul, causando enormes prejuízos, tanto pessoais como patrimoniais, catalisou muitos sentimentos de angústia e temor. Para alguns, um desassossego e, para a grande maioria dos desassistidos, um pesadelo que nunca será apagado de suas memórias. É chegado o momento das pessoas reconstruírem suas vidas.
O substantivo reconstrução parece simples, em teoria. Porém, como ajudar reconstruir emoções e sentimentos tão abalados entre milhares de desamparados?
O primeiro impacto da tragédia foi a necessidade de sobrevivência, tanto pessoal como patrimonial. Uns conseguiram e outros não. Em momentos como esse, as pessoas são solidárias umas com as outras.
Procuram ao máximo ajudar e serem ajudados, pois todas estão na mesma situação de sentirem medo do que está acontecendo. Contudo, logo que passa este primeiro momento, começam a aparecer os conflitos, sejam interpessoais ou intergrupais e, nesta esteira, surgem os conflitos condominiais de maneira desproporcional.
Existem vários tipos de condomínios e de diferentes tamanhos, sejam de casas, apartamentos, salas comerciais, consultórios, escritórios e garagens. E o que todos têm em comum? O convívio dos condôminos, principalmente nas áreas coletivas. Para que esta ligação entre os vizinhos se dê de maneira saudável e harmoniosa, são necessárias regras.
Ocorre que essas regras, com a enchente que assolou o Rio Grande do Sul, restaram por ser substituídas, pois muitos condomínios tiveram parte de suas instalações completamente submersas. Além de prejuízos causados pela falta d’agua, luz, gás e outros serviços, o que fez muitos moradores terem que deixar suas casas.
Neste momento, em que tudo está voltando a ser reconstruído, os conflitos condominiais se acentuaram muito, não só pelo estado em que estão as áreas comuns, mas também porque muitas unidades privativas foram afetadas por problemas cujo restabelecimento precisa ser determinado pelo síndico e pelo conselho.
Além disso, a utilização desmensurada de mensagens em aplicativos, como WhatsApp, mídia social, e ausência de fóruns adequados, como das assembleias gerais extraordinárias para o debate dos rumos a serem tomados à “reconstrução das perdas”, colaborou em muito na constituição de conflitos condominiais.
Mas como transformar um conflito condominial onde a maioria dos envolvidos está afetada, inclusive o síndico e seu conselho?
Agora entra o momento subjetivo onde as pessoas precisam se comunicar por meio de um diálogo construtivo. E, em razão do panorama apresentado, faz- se necessária a presença de um facilitador para a manutenção da comunicação. Este facilitador pode ser alguém que esteja em melhores condições de equilíbrio emocional e tenha habilidade para manter a fluência da conversa e o entendimento em alto nível. Pode ser um amigo, familiar ou qualquer outro que tenha perspectiva fora do conflito e tenha conhecimento sobre comunicação e psicologia.
Contudo, pode vir a ocorrer a necessidade de um profissional, o que também chamamos de facilitador e, muitas vezes, se confunde com o mediador/negociador. Essa pessoa é e está treinada para facilitar o diálogo, a troca de comunicação nas relações conturbadas utilizando técnicas que visam que os próprios envolvidos consigam transformar os conflitos.
Dependendo do conflito, pode ocorrer a necessidade do restabelecimento de uma relação continuada ou de uma relação que tenha sido esporádica. Nesta, as pessoas não necessariamente vão manter mais vínculo. Neste último caso, basta a conciliação mediante um acordo – tanto pela presença de um mediador/negociador ou pelas partes que optam por acordar entre si. Ambos estão amparados legalmente.2
Para que as pessoas envolvidas possam dispor de segurança jurídica, se faz aconselhável, quando o conflito requeira conhecimento legal, a presença do profissional da advocacia para que, com seu conhecimento, possa assessorar nas questões legítimas e pertinentes levando sempre em conta o tipo de cada caso.
Em razão do painel ora exposto, a grande maioria das contendas pode e deve ser resolvida de forma humanizada e harmoniosa sem que seja necessário chegar nas portas dos tribunais. Neste caso, seria uma segunda enchente, qual seja, uma enchente de disputas jurídicas – o que só causaria mais estresse e sofrimento para todos.
Assim, para que se reduza traumas e que não sejam acentuados os que já existem, torna-se imprescindível que seja valorizada a comunicação por intermédio do diálogo diante dos referidos conflitos condominiais.
Desta forma, os envolvidos têm a chance de colocar em ordem o que parece ou possa parecer impossível, seja por si ou utilizando alguém para facilitar tal comunicação. Afinal, os relacionamentos condominiais são de ordem continuada. Os envolvidos vão continuar morando e se relacionando como vizinhos, e nada melhor do que manter uma ligação pacífica e harmoniosa.
(Mireza Martí é advogada e mediadora extrajudicial. Especialista em Mediação e Conciliação Extrajudicial e em Psicologia Positiva)
Esta coluna reflete a opinião de quem a assina e não do Jornal O Sul.
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