Quarta-feira, 25 de dezembro de 2024
Por Redação O Sul | 15 de junho de 2024
A declaração final da cúpula do G7, divulgada nessa sexta-feira, não incluiu uma referência direta ao aborto, após a anfitriã Itália, liderada pela primeira-ministra de extrema direita Giorgia Meloni, ter se posicionado de maneira contrária à menção do procedimento. Antes da publicação oficial, fontes diplomáticas afirmaram à agência francesa AFP que a oposição à referência do termo por parte de Meloni, na presidência rotativa do grupo, teria causado tensão entre as lideranças, com EUA e França incomodados com a decisão.
Na cúpula do ano passado, que ocorreu em Hiroshima, no Japão, os líderes do grupo se comprometeram a abordar o “acesso ao aborto seguro e legal”, mas a referência não consta na declaração deste ano. Enquanto no documento de 2023 as autoridades fizeram uma referência específica ao “acesso ao aborto seguro e legal e aos cuidados pós-aborto”, o documento deste ano limitou-se a reiterar os compromissos com o “acesso universal a serviços de saúde adequados, acessíveis e de qualidade para as mulheres, incluindo saúde sexual e reprodutiva abrangente e direitos para todos.”
Para justificar seu posicionamento, a Itália, segundo a agência Reuters, teria afirmado que não havia necessidade de repetir a frase, porque já havia reiterado especificamente o seu compromisso na cúpula anterior. França, EUA e a União Europeia (UE) eram favoráveis à menção, mas desistiram por falta de acordo com Meloni. Os governos da França, Canadá e EUA ficaram particularmente frustrados, pois vinham pressionando para fortalecer o direito ao aborto, de acordo com o jornal italiano Domani.
“Estávamos defendendo o acordado em Hiroshima, onde o texto era mais explícito, mas não foi possível chegar a um acordo. importante é que tenhamos no texto a promoção dos direitos sexuais e reprodutivos”, explicou um alto funcionário da UE.
Sobre os direitos das comunidades LGTBQIA+, o texto deste ano também é menos abrangente do que o anterior, embora expresse “profunda preocupação com a diminuição dos direitos das mulheres, meninas e pessoas LGBTI+ em todo o mundo, especialmente em tempos de crise”. Diferentemente do ano passado, a declaração deste ano também não faz qualquer menção à “identidade de gênero”.
Tensão nas negociações
Na véspera do início da cúpula, uma fonte próxima às negociações adiantou à AFP que desde 2021 “houve uma menção ao ‘acesso seguro'” na declaração dos líderes do G7, mas que “Meloni não quer isso”. O Gabinete da premier italiana chegou a negar a omissão, afirmando que as negociações estavam em andamento com Reino Unido, Canadá, França, Alemanha, Japão e EUA.
“Ela é a única, está isolada na questão. Mas como é o país anfitrião, os outros decidiram não fazer disso um casus belli. Portanto, isso não será incluído no texto.”, disse a fonte, usando o termo em latim para um ato que provoca uma guerra.
No dia seguinte, a tensão que estava apenas nos bastidores explodiu com uma declaração do presidente Emmanuel Macron, que disse “lamentar” a posição italiana sobre a questão. Quando questionado sobre a polêmica por um repórter italiano, o presidente francês afirmou que “vocês [italianos] não têm a mesma sensibilidade no seu país”.
“Eu lamento, mas respeito, porque foi a escolha soberana do seu povo. A França tem uma visão de igualdade entre mulheres e homens, mas não é uma visão partilhada por todo o espectro político, declarou o presidente francês.
Em resposta, Meloni, que é contrária ao procedimento e se autodenomina “mãe cristã”, disse que não havia motivo para gerar polêmica sobre o assunto e alfinetou o líder francês, afirmando que é “profundamente errado” usar a cúpula do G7 como palanque eleitoral. O presidente dissolveu o Parlamento e convocou novas eleições após a derrota para a extrema direita local nas eleições para o Parlamento Europeu, no último fim de semana.
No poder desde 2022, Meloni já foi acusada por ativistas de direitos humanos de tentar dificultar a interrupção da gravidez na Itália. Embora o aborto seja legal no país de maioria católica desde 1978, o acesso a ele é um desafio devido à alta porcentagem de ginecologistas que se recusam a realizá-lo por motivos morais ou religiosos.
Em abril, o Parlamento italiano aprovou uma medida da coalizão do governo de extrema direita que permitia que ativistas contra o aborto entrassem em clínicas de consulta, provocando indignação entre os partidos de oposição.