Sexta-feira, 22 de novembro de 2024
Por Redação O Sul | 3 de julho de 2024
Desde a semana passada, quando teve um desempenho fraco em um debate, o presidente dos Estados Unidos e candidato à reeleição, Joe Biden, vem passando por um escrutínio público sobre sua capacidade de governar o país aos 81 anos. Adversários falam em “questões relacionadas à idade”. Mas a idade pode mesmo ser um impeditivo para um bom desempenho profissional?
O primeiro aspecto que os especialistas fazem questão de reforçar é que cada vez teremos mais idosos, e essa mão de obra já importante será ainda mais no futuro. O número de pessoas com 65 anos ou mais no planeta, hoje de 761 milhões, deve mais que dobrar até 2050. No Brasil, segundo o Censo Demográfico de 2022, essa faixa já representa 10% da população – frente a 7,4% em 2010. Nesse mesmo período a idade mediana do brasileiro passou de 29 para 35 anos.
Mas e agora? Todos os octogenários estão bem para continuar ativos e trabalhando? Ou nenhum está?
“Temos pessoas de 80 anos que fazem tudo, são completamente independentes, já outras de 60 que são frágeis, com várias limitações. Então, a idade cronológica realmente não define o indivíduo”, afirma a geriatra Lívia Capuxim, titulada pela Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia.
A tendência é cada vez mais ver pessoas como Caetano Veloso, ativíssimo aos 81 anos, o presidente Lula, governando o País aos 78 anos. Aos 94 anos, Fernanda Montenegro segue nos palcos, com apresentações esgotadas em São Paulo.
Por que algumas pessoas envelhecem bem e lúcidas enquanto outras não é, como grande parte das questões de saúde, um fenômeno multifatorial, explica o neurologista Rodrigo do Carmo Carvalho, da Clínica DFVneuro e Hospital Sírio Libanês:
“Tem a ver com aspectos biológicos, com hábitos de vida, doenças cardiovasculares, como pressão alta, diabetes, colesterol, atividade física que fez ao longo da vida, nível educacional, nível socioeconômico e a questão genética. E tem, ainda, o fator circunstancial, como um acidente com sequela neurológica. Essa variabilidade de experiências que alguém tem ao longo da vida é que dita essa diferença. Por isso é difícil de predizer.”
Como qualquer pessoa com mais de 15 anos sabe, os anos obviamente deixam uma marca. De acordo com a geriatra Maísa Kairalla, do Núcleo Avançado de Geriatria do Hospital Sírio Libanês, nessa faixa etária é natural ficar mais lento no sentido físico e mental, ter menos músculo e rapidez, ter a debilidade mecânica de um processo degenerativo nas articulações (que faz com que a pessoa digite ou caminhe mais devagar), a velocidade de processamento das informações é mais lenta, a capacidade de abstração é menor, mas você “pode ser independente e capaz de reger tudo isso”.
“O envelhecimento não te torna doente. Mas a incidência de doenças a partir do envelhecimento aumenta. Ou seja, é mais frequente ter demência, artrose, neoplasias, quedas, mas isso não te torna incapaz. Pelo contrário, você pode ser funcional aos 110 anos. A idade cronológica não quer dizer que uma pessoa não possa ser presidente dos EUA ou diretor de uma grande empresa”, diz Kairalla.
Assim, as pessoas não devem creditar eventuais limitações à idade e acabou. O secretário do Departamento Científico de Neurologia Cognitiva e Envelhecimento da Academia Brasileira de Neurologia (ABN) e neurologista do Hospital das Clínicas da USP, Adalberto Studart Neto, alerta que quando as pessoas sentem a memória falhando ou estão mais desatentas devem procurar um médico e fazer uma avaliação neurológica. É importante também dar ouvido aos familiares ou assistentes que às vezes percebem antes a diferença.
“A pessoa pode fazer um teste para verificar se há um comprometimento cognitivo (que pode ser leve ou indicar um início de demência) ou se está dentro da normalidade”, explica.
Serão avaliadas memória ou capacidade executiva, agilidade mental, planejamento, abstração, rigidez de pensamento, flexibilidade cognitiva, que geram uma capacidade de usar sua capacidade de forma adequada
Se realmente há um comprometimento, a pessoa que está trabalhando, seja um CEO, um engenheiro, um médico, pode começar a se preparar. O ideal seria isso, mas o que acontece é que “as pessoas postergam a procura pelo médico”.
Voz da experiência
Mas não são só problemas que os anos trazem. “Existem funções cognitivas que declinam, como a memória episódica (o que ia dizer, um nome, o que fez), e a velocidade de processamento cognitivo. Mas tem algumas que melhoram, como a memória semântica, do conhecimento, o vocabulário”, afirma Studart Neto. “Ele não tem a mesma velocidade que o jovem, a mesma dinâmica, mas pode ter uma capacidade de decisão mais sólida.”
Ou seja, uma pessoa idosa pode não se sair bem num debate, mas isso não quer dizer, necessariamente, que ela não pode administrar um país ao tomar decisões mais bem embasadas.
“Existem certos momentos em que a gente fica mais vulnerável do ponto de vista cognitivo, por exemplo com o excesso de informações. Em um debate, essa vulnerabilidade aumenta. E o segundo aspecto é a pressão emocional. Uma pessoa com mais idade que é submetida a um estresse muito grande vai ter um desempenho menor. Isso pode comprometer pontualmente o desempenho mas não refletir o desempenho numa condição geral”, diz Carvalho.