Sexta-feira, 27 de dezembro de 2024
Por Redação O Sul | 15 de julho de 2024
O ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) costuma usar o fato de a União não ter determinado a devolução de relógios recebidos pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva para difundir suposta perseguição e um efeito de “dois pesos, duas medidas” no caso das joias sauditas. O petista nunca se preocupou em dar uma versão clara para o relógio Piaget usado por ele, avaliado em cerca de R$ 80 mil.
No entanto, após o indiciamento de Bolsonaro no inquérito das joias, a assessoria de imprensa do Palácio do Planalto afirmou ao jornal O Estado de S. Paulo, pela primeira vez, que o Piaget não foi um presente recebido enquanto Lula exercia seus dois primeiros mandatos. Ao afirmar que o relógio de luxo não tem a ver com a Presidência, a equipe do petista tenta esvaziar o discurso de Bolsonaro segundo o qual os casos têm semelhanças. A assessoria do presidente não especificou, contudo, quando e quem presenteou Lula com o relógio. Acrescentou que “tudo que o presidente recebeu na Presidência está catalogado conforme legislação”.
A existência do Piaget veio à tona no início de 2022, quando Lula apareceu usando o relógio durante evento de comemoração do centenário do PCdoB. Até agora, as declarações públicas do petista sobre a polêmica dos presentes oficiais recebidos por ele mesmo diziam respeito a um segundo relógio, um Cartier Santos Dumont avaliado em cerca de R$ 60 mil. Os valores citados são baseados nos preços em dólar apresentados nos sites de fabricantes e vendedores especializados.
Durante uma transmissão do Conversa com o Presidente, em julho de 2023, Lula usava o Cartier e disse que ganhou o relógio em 2005 do então presidente da França, Jacques Chirac. “Você sabe que esse relógio ficou perdido 25 anos? Eu não sabia onde estava. Agora, que eu fui mudar, fui abrir a gaveta, e ele estava lá”, afirmou, sem corrigir a menção ao período em que o item teria ficado perdido. De 2005 a 2023 são 18 anos.
Auditoria
O Cartier foi um dos itens que passaram por uma auditoria do Tribunal de Contas da União (TCU) em 2016. Na oportunidade, os fiscais constataram que o relógio foi registrado como um presente da própria fabricante, e não do presidente da França.
Uma confusão entre características e origens dos dois relógios têm sido comuns em publicações e debates sobre critérios para ida de presentes oficiais a acervos privados de presidentes da República.
O Cartier, objeto com caixa quadrada e borda prateada, foi declarado no acervo presidencial. O Piaget, redondo e margens douradas, nunca foi listado nem como acervo da União nem como acervo particular do presidente.
A equipe de comunicação do Planalto, até então, jamais negou publicamente que o Piaget tinha sido um presente oficial ao presidente nem havia pontuado que o presente não tem relação com o mandato.
Ao tentar relacionar os casos, Bolsonaro ignora o fato de a investigação da PF apontar um esquema de venda de joias e presentes avaliados em mais de R$ 6,8 milhões.
A situação do Cartier será apreciada pelo TCU em agosto. Entre membros da Corte, o julgamento é visto como sensível porque pode virar munição política para lulistas ou bolsonaristas, a depender do resultado. Em 2016, o TCU determinou que Lula devolvesse à União mais de 500 presentes que haviam sido incorporados ao patrimônio privado dele. O Cartier, contudo, não foi devolvido.