Quinta-feira, 28 de novembro de 2024
Por Redação O Sul | 28 de julho de 2024
Sentados ao redor de uma mesa no Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB), em 1º de dezembro de 2022, cerca de 20 petistas convocados para uma reunião pelo recém-eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT) estavam intrigados. Um mês depois da vitória contra Jair Bolsonaro (PL), políticos, o mercado e a imprensa cobravam os nomes da futura equipe ministerial e a hesitação prosseguia. Uma vez na sala, o petista ajeitou-se na cadeira e esclareceu que já tinha muito de sua Esplanada em mente. Mas Lula estava ali mesmo para dizer quem com certeza não teria vaga no time em janeiro.
“Tenho algumas decisões. A Gleisi, por exemplo: ela tem que continuar comandando o PT”, disse para o choque e constrangimento de deputados, senadores e dirigentes partidários certos de que o oposto aconteceria.
Embora Lula tenha enfileirado qualidades ao dizer que Gleisi era essencial para não enfraquecer o PT, os elogios soavam agridoce. A presidente do PT, a ex-senadora e deputada federal Gleisi Hoffmann, acalentava mesmo era o desejo de estar no governo e parecia talhada a assumir a Secretaria-geral da Presidência, posto com acesso privilegiado ao presidente e interface com os movimentos sociais. Ser alijada daquele momento era um baque. O episódio é descrito por pessoas que integram seu círculo como o mais duro enfrentado em sua estrada política.
“Não questionei, imagina. E não fiquei chateada. Acredito muito na visão estratégica do presidente Lula. Ele é um privilegiado na leitura política. Quando ele faz uma avaliação, respeito muito. Só se eu tiver extrema divergência, aí pondero”, complementou.
Foi justamente o figurino de radical do PT, fundamental no resgate do partido após o bombardeio de denúncias na operação Lava-Jato, o argumento imaginado por aliados para considerá-la “pesada” demais para subir a rampa com Lula em 2023. Se não tinha perfil para estar no governo, Gleisi estava então liberada para expor suas ideias fora dele. A presidente do PT tornou-se rapidamente uma espécie de fiscal informal do governo – mais especificamente do ministro da Fazenda, Fernando Haddad. É da “tradição” do PT o embate de ideias, costuma justificar quando é instada a comentar os constantes embates públicos entre ela e aquele que é considerado a aposta de Lula para sucedê-lo no futuro.
Jogo da política
Gleisi sempre fez reparos nos bastidores a Haddad. Achava-o pouco partidário, conciliador demais, e não muito afeito ao jogo da política, relatam companheiros de legenda. Ao colocar Haddad na Fazenda, Lula buscava reduzir resistências dos investidores à gestão petista, mas empurrava parte do petismo contra a política econômica.
Gleisi encarnava como poucos essa ala do PT e, três meses após a posse, a cizânia ficou evidente. Haddad levou a Lula o desenho do seu novo arcabouço fiscal, formatado para substituir o teto de gastos, regra então vigente para conter o avanço das despesas públicas. A presidente do PT foi às redes sociais bradar por uma política fiscal “expansionista”, baseada em mais gastos públicos. Para ela, era um compromisso feito somente para agradar o “mercado”, que resultaria em prejuízo a políticas públicas. O limite da crítica, contudo, era Lula e o presidente acabou endossando Haddad. Em mais um gesto de lealdade, Gleisi e o PT entregaram os votos pelo arcabouço em maio de 2023.
A contenda com o ministro, no entanto, se manteve. Meses depois, Gleisi voltou à carga e apoiou publicamente uma mudança na meta fiscal quando Lula admitiu a possibilidade de ela não ser cumprida. A presidente do PT dava suporte, assim, aos argumentos do ministro da Casa Civil, Rui Costa, que travava uma queda de braço com Haddad para modificar a meta. Embora não sejam exatamente próximos, ambos compartilham a visão petista de que o manejo das contas públicas não deve inibir os investimentos. Em dezembro, a cúpula do PT chegou a aprovar um documento que falava, entre outras coisas, sobre a necessidade do país de se libertar do “austericídio fiscal”.
O que a deputada expõe nas redes e em entrevistas – sua cruzada contra o “mercado”, os “liberais”, a contenção de gastos, e outros assuntos que causam arrepios nos investidores – é o que ela defende no partido e no seu círculo próximo. Há momentos em que há pontos de contato evidentes com o pensamento de Lula. As informações são do O Globo.