Sexta-feira, 29 de novembro de 2024
Por Redação O Sul | 31 de julho de 2024
Muitos vibraram, outros menos, teve quem ficou dividido e até mesmo os que ficaram chocados e fizeram críticas acerbas: a abertura dos Jogos Olímpicos de Paris deixou poucos indiferentes. A França quis exaltar nesse evento planetário valores e referências de sua história, arte e cultura, que foram sendo contados ao longo dos 12 quadros na cerimônia realizada no rio Sena, que teve como cenário lugares emblemáticos da capital.
O formato inédito da cerimônia, que ocorreu pela primeira vez fora de um estádio, também pôde ser visto nos temas evocados, que abordaram inclusão social e princípios progressistas. Para alguns especialistas, a cerimônia representou a união entre a identidade francesa e valores universais.
Por isso não faltaram quadros com os temas de liberdade, igualdade e fraternidade, que é a divisa nacional da França, surgida na Revolução Francesa, no século XVIII, e inscrita na Constituição.
Mas alguns apontam a diferença entre esses valores de liberdade, igualdade e fraternidade e a realidade política e social da França. A cerimônia de cerca de quatro horas de duração que celebrou a inclusão e fez uma ode à diversidade ocorreu três semanas depois do forte avanço da extrema direita no parlamento francês, após liderar o primeiro turno da votação. A direita radical de Marine Le Pen explora problemáticas identitárias, ligadas à imigração, que ecoam cada vez mais para uma parte da população.
Antes dos Jogos, houve uma polêmica sobre a escolha de Aya Nakamura, a cantora pop francesa mais consagrada no exterior, para participar da cerimônia. Partidários da extrema direita consideraram que a escolha da cantora de origem africana não seria a mais adequada para representar a França em um evento assistido por 1 bilhão de pessoas.
Um outro quadro exaltou a solidariedade, com um misterioso cavaleiro no Sena, enquanto desfilavam imagens de arquivos de Olimpíadas antigas e os porta-bandeiras dos países se aglomeravam em frente à Torre Eiffel. Mas, meses antes do início das Olimpíadas, associações que atuam na área social denunciaram o envio de milhares de sem-teto das ruas de Paris para outras localidades, para “escondê-los” dos visitantes. As autoridades negam ter feito uma “faxina social”.
Essas ONGs questionaram o compromisso do presidente Emmanuel Macron de que um dos legados dos Jogos seria o de uma sociedade mais inclusiva e criticaram o conceito de “pátria dos direitos humanos”, como a França é conhecida, por ter feito a primeira nesse tema durante a Revolução Francesa.
Nas redes sociais, alguns franceses exaltaram a cerimônia de abertura, com adjetivos de republicana, inclusiva, colorida, mas fizeram ironias, perguntando onde seria esse país mostrado no evento.
Alguns dos quadros suscitaram menos questionamentos, como o da sororidade, que homenageou dez mulheres pioneiras em suas áreas, entre elas Olympe de Gouges (1748-1793), uma das primeiras feministas e que atuou na política; Simone Veil (1927-2017), autora da lei sobre o aborto na França; ou a escritora Simone de Beauvoir (1908-1986). O tema da obscuridade lembrou — ao som da música “Imagine”, de John Lennon, interpretada por Juliette Armanet em um barco com um pianista — que há guerras e catástrofes climáticas no mundo.
O valor que a França destacou e que mais suscitou reações negativas em meios conservadores e religiosos mundo afora foi o da festividade, que começou com uma homenagem à moda com criações de jovens estilistas e apresentações de dançarinos e drag queens.
O diretor artístico da cerimônia, Thomas Jolly, negou que tenha feito uma paródia da Última Ceia, após grupos religiosos e conservadores considerarem que houve “zombarias” ao cristianismo. A apresentação mostrou o cantor Philippe Katerine, seminu e com o corpo pintado de azul, em uma mesa de banquete, mas Jolly afirmou que a ideia foi uma referência às festas pagãs dos deuses do Olimpo e a Baco, o deus do vinho e das festividades, tema que inspirou vários quadros.
Na França, a religião não tem o mesmo destaque na sociedade como no Brasil. Apenas 8% dos católicos frequentam regularmente um local de culto.
A esportividade foi retratada com as novas modalidades das Olimpíadas: BMX (acrobacias com bicicletas), skate e breaking, mas a forte chuva atrapalhou as performances.
Apesar de algumas polêmicas, mais de 85% dos franceses avaliaram que a cerimônia de abertura foi bem-sucedida, segundo uma pesquisa do instituto Harris. Conhecidos por protestar, desta vez muitos franceses apreciaram como os valores de seu país foram retratados. As informações são do jornal Valor Econômico.