Terça-feira, 24 de dezembro de 2024
Por Redação O Sul | 8 de agosto de 2024
O procurador-geral da República, Paulo Gonet, pediu ao Supremo Tribunal Federal (STF) que declare inconstitucionais as “emendas Pix” – transferências diretas de recursos federais sem transparência, controle de aplicação das verbas ou fiscalização do Tribunal de Contas da União (TCU). Em ação ajuizada anteontem na Corte, Gonet afirma que a modalidade – revelada pelo Estadão – configura patente a “deturpação do sistema republicano” de acompanhamento dos gastos públicos.
A iniciativa de Gonet causou insatisfação no Congresso, que promete retaliar o governo Lula. Em reação, o presidente da Comissão Mista de Orçamento, deputado Julio Arcoverde (PP-PI), decidiu suspender a votação da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) de 2025, que estava programada para a segunda quinzena de agosto.
Além disso, parlamentares preparam mudanças no projeto da LDO para garantir o controle do Orçamento e evitar que as emendas sejam canceladas. O adiamento atinge o governo Lula, que terá de enviar a Lei Orçamentária Anual (LOA) de 2025 até o dia 31 de agosto sem as regras aprovadas pelo Congresso e ainda sem previsão de quando as diretrizes vão ser votadas.
“Estou vendo, mais uma vez, a interferência do Poder Judiciário e do Ministério Público em relação ao Congresso. Não vou deixar ser lido o relatório da LDO depois de uma decisão dessa, e os parlamentares já estão preparando emendas porque tem que ser encaminhada uma solução”, disse Arcoverde ao Estadão. “Não se pode perder nenhum direito adquirido.” Na próxima semana, os presidentes da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), devem reunir os líderes das Casas para discutir a reação à ação da Procuradoria.
Suspensão
Segundo Gonet, a emenda Pix não é “admissível”, considerando a falta de transparência dos recursos. Ele pede que o STF suspenda imediatamente os dispositivos que instituíram o mecanismo, destacando os riscos das transferências especiais em períodos eleitorais. Se a ação da Procuradoria-Geral da República for aceita, nada mais poderá ser repassado.
Emenda Pix é um repasse indicado por deputados e senadores para Estados e municípios e pago pelo governo sem transparência. É possível saber o congressista que mandou, mas não a finalidade do dinheiro. A verba pode ser usada livremente pelo prefeito ou governador, sem vinculação com programas federais, desviando do planejamento e da fiscalização. Desde 2020, a modalidade somou R$ 20,7 bilhões e bateu recorde neste ano, marcado por eleições municipais nas mais de 5,5 mil cidades do País.
O procurador-geral vê possibilidade de danos “irreparáveis ou de difícil reparação ao erário”, com “mal ferimento dos deveres estatais de transparência, máxima divulgação, rastreabilidade e controle social dos gastos públicos”.
A ação foi impetrada quase uma semana após o ministro do Supremo Flávio Dino determinar que o governo e o Congresso deem total transparência às emendas Pix. Dino ainda estabeleceu critérios para a liberação dos recursos, determinando que o governo federal só efetue os repasses quando foram preenchidos os requisitos constitucionais da transparência e da rastreabilidade. Tal decisão foi proferida no âmbito de uma ação movida pela Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji).
Segundo a PGR, há dúvidas sobre a legitimidade da Abraji para questionar as emendas Pix. Assim, a ideia de Gonet ao propor a ação contra as transferências especiais foi “garantir que o tema seja apreciado pelo STF”. O chefe do Ministério Público Federal pediu que o processo seja distribuído também ao gabinete de Dino.
Neste ano, o governo Lula autorizou o pagamento de R$ 7,7 bilhões em emendas Pix, dos quais R$ 4,25 bilhões foram transferidos antes das disputas municipais, driblando a lei eleitoral. O restante poderá ser pago até o fim do ano. O Supremo não interrompeu as transferências, mas determinou total transparência e ainda obrigou as prefeituras a informarem onde vão gastar o dinheiro, coisa que hoje não acontece.
No procedimento, Gonet comparou as emendas Pix com o orçamento secreto – já derrubado pelo STF, mas cujo cumprimento ainda é discutido na Corte –, pois “omitem dados e informações indispensáveis para o controle da execução dos recursos transferidos, provocando perda de transparência, de publicidade e de rastreabilidade”. Segundo Gonet, as transferências de tal natureza geram “prejuízo inaceitável” ao controle sobre a aplicação de verbas federais.
“As chamadas ‘emendas Pix’, desprovidas das ferramentas de fiscalização constitucionais, arriscam a se convolar em instrumento deturpador das práticas republicanas de relacionamento entre agentes públicos, propiciando o proveito de interesses distintos dos que a atividade política deve buscar”, argumentou. Para Gonet, a emenda Pix implica “inequívoca degradação” do papel do Executivo de planejar o Orçamento. Ele pede ao STF que derrube trechos de uma emenda constitucional que trata das emendas parlamentares.