Segunda-feira, 23 de dezembro de 2024
Por Redação O Sul | 12 de agosto de 2024
O final da tarde é sempre um período de agitação para o mineiro Aroldo Batista, de 78 anos. Diagnosticado há dez anos com doença de Alzheimer, sempre que começa a escurecer ele fica mais confuso, procura por coisas e pessoas que não consegue nomear bem, anda incessantemente pela casa da filha Cristina Montheiro, com quem mora há três anos. “Ele entra num desassossego generalizado. Fica perguntando ‘Cadê o pessoal? O pessoal falou que estava aqui e não está.’. Outras vezes quer saber onde está a comida. Tem dias em que fica me procurando, mas a desorientação é tão grande que ele passa por mim e não me vê”, conta Cristina.
Essa inquietação ao final do dia e no início da noite é comum em pacientes com demência e tem um nome quase poético: síndrome do pôr do sol. De acordo com a geriatra Celene Queiroz Pinheiro, presidente da Associação Brasileira de Alzheimer (Abraz), trata-se de uma alteração de comportamento marcada por agitação e confusão no final do dia, quando começa a escurecer.
“No horário do pôr do sol a pessoa fica mais impaciente, inquieta ou irritada. Muitas vezes ela pede para sair, para ir embora ou ir para casa. Em muitos casos, essas alterações se prolongam até o período noturno”, explica a especialista.
Além desses sintomas, uma revisão da literatura conduzida por uma equipe da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), que analisou artigos publicados entre 2016 e 2021 sobre síndrome do pôr do sol, acrescentou outras alterações à lista: resistência, alucinações visuais e auditivas, ansiedade, agressividade, gritos e berros.
Nem todas as causas para esse fenômeno são conhecidas, mas há explicações biológicas para ele. “Sabemos que quase 90% das pessoas com demência terão algum tipo de distúrbio do sono durante o processo demencial. A síndrome do pôr do sol cai nessa categoria e é uma alteração do ciclo circadiano causada pela degeneração do núcleo supraquiasmático do cérebro, que é o principal regulador do nosso relógio biológico”, detalha Celene.
Embora aconteça em outros tipos de demência, como a frontotemporal, a vascular e a de corpúsculos de Lewy, estudos mostram que a síndrome do pôr do sol é mais prevalente na doença de Alzheimer, até por ser esse o tipo mais comum de demência. Ela tende a acontecer a partir da fase moderada da doença.
Para cuidadores, essa agitação ao final do dia pode ser especialmente delicada, porque é um horário em que todos já estão mais cansados e é fácil que a situação se complique. Por isso o ideal é evitar que o quadro de agitação se instale. Caso o paciente já tenha ficado agitado, o recomendado é evitar que ele se agrave.
Segundo a geriatra Celene, existem inúmeras estratégias que podem ser usadas para reduzir o impacto da síndrome do pôr do sol, mas elas se resumem em uma única palavra: rotina. “A rotina é a grande aliada da família da pessoa com demência”, pontuou. “É preciso evitar que haja muitas mudanças no dia do paciente para que ele não se agite.”
Dicas
Veja abaixo dicas para gerenciar a crise da síndrome do pôr do sol:
– Use técnicas de distração: entre em uma sala diferente, faça a pessoa beber algo, faça um lanche, ligue uma música ou saia para passear;
– Pergunte qual assunto traz tristeza. Ouça atentamente a resposta e, se possível, veja se você consegue lidar com o motivo de sua angústia;
– Fale de forma lenta e calma;
– Fale em frases curtas e dê instruções simples para tentar evitar confusões;
– Segure a mão da pessoa ou sente-se perto dela e toque-a. Estímulos sensoriais ativam os sentidos primários e nos conecta melhor com o ambiente;
– Siga uma rotina diurna que contenha atividades que a pessoa goste, como dar uma caminhada suave ou visitar lojas;
– Tente limitar a ingestão de bebidas cafeinadas e alcoólicas. Em vez disso, ofereça-lhes bebidas sem cafeína, ou cerveja ou vinho sem álcool. Você pode querer que eles considerem parar de beber álcool completamente;
– Tente limitar os cochilos diurnos para incentivá-los a dormir bem à noite;
– Feche as cortinas e acenda as luzes antes do anoitecer para facilitar a transição para a noite;
– Se possível, cubra espelhos, janelas e portas de vidro com uma toalha, lençol ou cortina. Reflexos podem ser confusos para pessoas com demência;
– Evite grandes refeições à noite, pois isso pode atrapalhar os padrões de sono;
– Introduza uma rotina noturna com atividades que a pessoa goste, como assistir a um programa favorito, ouvir música, acariciar um animal de estimação, por exemplo, mas tente sintonizar a TV ou o rádio em algo calmante e silencioso – ruídos altos repentinos, como gritos, podem ser angustiantes para uma pessoa com demência. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.