Terça-feira, 26 de novembro de 2024
Por Redação O Sul | 28 de agosto de 2024
O ex-presidente está impedido de aparecer nas urnas até 2030.
Foto: ReproduçãoO Projeto de Lei Complementar (PLP) 192/2023, caso seja sancionado na sua versão atual, abrirá margem para uma revisão da inelegibilidade do ex-presidente Jair Bolsonaro, segundo advogados especializados em Direito Eleitoral. Essa avaliação, no entanto, não é unânime.
Entre outras mudanças na legislação eleitoral, o texto prevê que a alínea “d” do artigo 1º da Lei Complementar (LC) 64/1.990, que estabelece a inelegibilidade de pessoas condenadas por abuso de poder político — caso do ex-presidente —, passará a exigir a ocorrência de “comportamentos graves aptos a implicar a cassação”. É aí que mora a controvérsia, uma vez que Bolsonaro não foi cassado. A proposta foi aprovada na Câmara no ano passado e ganhou recentemente urgência para tramitar no Plenário do Senado.
A redação atual da LC 64/90 reconhece como inelegível, na alínea sujeita a mudança, quem tenha contra si uma “representação julgada procedente pela Justiça Eleitoral, em decisão transitada em julgado ou proferida por órgão colegiado, em processo de apuração de abuso do poder econômico ou político, para a eleição na qual concorrem ou tenham sido diplomados” e nos oito anos seguintes.
A inelegibilidade imposta a Bolsonaro encontra amparo nesse dispositivo. Condenado por abuso de poder político e dos meios de comunicação nas eleições de 2022, ele está impedido de aparecer nas urnas até 2030. Com a sanção do Projeto, no entanto, a mesma alínea passaria a prever como inelegíveis as pessoas condenadas “por comportamentos graves aptos a implicar a cassação de registros, de diplomas ou de mandatos, pela prática de abuso do poder econômico ou político”.
Na decisão do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) que tornou Bolsonaro inelegível, o ministro Benedito Gonçalves, acompanhado por unanimidade pelos pares, destacou que não seria aplicada a “cassação do registro de candidatura dos investigados, exclusivamente em virtude de a chapa beneficiária das condutas abusivas não ter sido eleita”.
Para Márlon Reis, um dos autores da Lei da Ficha Limpa, a redação atual do PLP 192/23 abrirá uma margem clara para Bolsonaro solicitar a reconquista da elegibilidade, uma vez que o ex-presidente não foi cassado.
“No julgamento que o afetou, o acórdão focou exclusivamente na configuração do abuso de poder, uma vez que não se tratava de uma ação capaz de gerar a cassação de diplomas ou mandatos. Com a nova redação, o argumento de que a inelegibilidade só deve incidir quando houver efetiva cassação poderia ser explorado pela defesa, visando a reverter a situação de inelegibilidade”, afirmou Reis, para quem a derrota eleitoral não pode servir como anistia.
Gabriela Rollemberg, advogada, cientista política e cofundadora da Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político (Abradep), concorda com o colega. E ela defende que o texto do projeto conflita com o inciso XIV do artigo 22 da LC 64/1.990, que prevê a decretação de inelegibilidade, além da cassação do registro ou diploma, do candidato beneficiado por abuso de poder.
“Nesse ponto, acredito que a redação não está adequada ao processo constitucional eleitoral, considerando o sistema eleitoral em si, que não pode ser analisado em tiras, mas de uma forma sistêmica”, comentou a advogada. Ela reforça a ideia de que o novo texto (desde que aprovado como está) abrirá espaço para o questionamento da inelegibilidade de Bolsonaro: “Gera um constrangimento, tendo em vista que é uma decisão da Justiça Eleitoral, e não faz sentido que ela não surta efeitos”.
Já Fernando Neisser, também confudador da Abradep e professor de Direito Eleitoral da Fundação Getulio Vargas, entende que o texto não afetaria a condição do ex-presidente, uma vez que o voto do ministro Benedito deixou claro que se trata de um caso de cassação, que só não se consumou porque Bolsonaro não foi reeleito.
“Aqui a mudança é para tratar de situações em que a pessoa tenha respondido por abuso e conduta vedada, e a corte tenha entendido que o fato não era tão grave para cassar e só tenha aplicado a multa da conduta vedada. E, nesse caso, de fato, não faz sentido imaginar que aquilo deva deixar inelegível se não foi grave nem para cassar um registro de candidatura. Então, me parece que só se corrigiu um defeito (na lei).”
Arthur Rollo também acredita que a proposta legislativa não abre margem para a contestação da condição de inelegível de Bolsonaro, uma vez que a gravidade do caso do ex-presidente se mantém.
“Hoje a única pena do artigo 22 é a cassação. Não cabe multa. Se é grave, cassa. Se não é, se julga improcedente. Essa mudança, na prática, já acontece nos julgamentos. O ideal seria modificar para permitir a multa nos casos menos graves, porque, às vezes, não cabe cassação, mas caberia multa. Hoje, nesses casos, não há pena alguma.” As informações são do site de notícias Consultor Jurídico.