Sexta-feira, 07 de fevereiro de 2025
Por Redação O Sul | 8 de janeiro de 2016
Um em cada dez casos de assassinato no mundo ocorre no Brasil. A maioria dos homicídios, em um índice que tangencia a totalidade, é de vítimas de armas de fogo. Esse tipo de armamento alimenta um mórbido indicador: em média, morrem 116 pessoas por dia no Brasil por algum tipo de disparo, cerca de 4,8 óbitos por hora ou mais de um Carandiru a cada 24 horas.
São números de guerra, eventualmente até piores que os de conflagrações em grande escala. Entre 1980 e 2012, revólveres, fuzis e assemelhados mataram 880 mil pessoas em todo o País, 293,3 mil a cada dez anos; no Iraque, durante a intervenção americana, entre 2003 e 2013 o total de mortos foi de 174 mil. Esse quadro tenebroso podia ser pior. Em 2003, com o Estatuto do Desarmamento, o Brasil não só estancou, como reverteu a curva de letalidade das armas de fogo.
Entre 1996 e aquele ano, a contabilização desse tipo de morte não natural saltou da faixa dos 6,3 mil para 7,2 mil por ano; já no balanço do primeiro ano de entrada em vigor dessa lei orgânica, o total caiu para 7 mil, com quedas sucessivas até alcançar o patamar de 2 mil óbitos em 2014.
Desse perfil, decorreu uma insofismável prova dos efeitos positivos do Estatuto: entre 2004 e 2012, segundo estimativas do Mapa da Violência de 2015, pouco mais de uma década após a vigência da lei, mais de 160 mil vidas foram poupadas. Sob o estímulo ou o poder dissuasório de artigos da legislação que dificultam compra ou posse de armamentos, o número de pessoas que adquiriram esses artefatos encolheu 40%. Além de se impactar os indicadores de violência e criminalidade, essa retração também influiu no Sistema Único de Saúde: menos feridos e menos pressão no SUS traduziram-se em menor comprometimento de recursos, de material e de pessoal da rede.
É ainda elevado o número de vítimas de armas de fogo, mesmo sob o impacto positivo do Estatuto. Cerca de 95% dos assassinatos registrados nos boletins de ocorrência das delegacias têm como causa disparos feitos por armas. Das 880 mil mortes registradas entre 1980 e 2012 por esses artefatos, 747 mil foram vítimas de assassinatos. Por outro lado, é certo que muitas mortes por disparos acidentais ou suicídios não teriam ocorrido se não houvesse uma arma por perto.
Estatuto do Desarmamento deve ser mais rígido.
Ainda assim, o poderoso lobby acantonado no Legislativo em Brasília desenvolve um perigoso movimento que visa a flexibilizar a lei, desconstruindo-a no que tem de mais eficaz como anteparo da sociedade contra agravos à segurança individual e pública. Se der curso em plenário aos arranjos que até aqui foram feitos em comissões, o Congresso estará patrocinando um irreparável retrocesso naquilo que a sociedade conquistou para conter a escalada de violência cevada pelas armas.
Entre as aberrações que parlamentares ligados à chamada “bancada da bala” pretendem introduzir no Estatuto estão a redução da idade mínima (de 25 para 21 anos) para a aquisição de armas, a ampliação do direito ao porte, o registro único e definitivo dos armamentos e a dispensa de exames periódicos para a revalidação da posse.
Em lugar de flexibilizar o Estatuto, o Congresso precisa é torná-lo mais rígido. Um passo crucial para conter o avanço da violência, mas não o único. O País precisa fazer uma série de reformas, em áreas distintas – Código Penal, instituições policiais, sistema penitenciário e leis penais, bem como combater a cultura da impunidade. E fortalecer o desarmamento, evitando a flexibilização de uma lei que tem sido aliada da sociedade na guerra contra a criminalidade, é o passo mais urgente a ser dado. (AG)